sexta-feira, 7 de agosto de 2009

DO OBJETO AO DISCURSO EXPOSITIVO: A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NO MUSEU AFRO-BRASILEIRO DE SERGIPE

RESUMO:

O presente trabalho tem como proposta fazer uma leitura reflexiva do discurso expositivo presente no Museu Afro-brasileiro de Sergipe através dos objetos (patrimônio históricocultural) representativos da identidade afro no intuito de compreender de que forma e como ele (re) constrói a imagem do negro na contemporaneidade. Para tanto, o estudo analisa a sua coleção museológica e a museografia utilizada na construção do cenário museal dialogando também com algumas referências textuais. Os dados obtidos levam a conclusão de que o museu abastece o discurso da história cultural dos afrodescendentes em Laranjeiras, mas também constrói e reforça representações pautadas em valores escravocratas limitando e direcionando as possibilidades de interpretações dos seus visitantes.








Trabalho apresentado no SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E RELAÇÕES INTERÉTNICAS promovido pelo GERTS, Grupo de Estudos Culturais, Identidades e Relações Interétnicas: SÃO CRISTÓVÃO, DIAS 05, 06 E 07 DE AGOSTO DE 2009

quarta-feira, 22 de julho de 2009

AQUI O PATRIMÔNIO TAMBÉM É POESIA!!!

João Sapateiro, Cântico aos Lanjeirenses (1950)






Minha terna Laranjeiras
Terra das lindas palmeiras,
Adoro tudo que é teu;
Admiro os belos prados
E adoro os lindos trinados
Das aves que Deus te deu.
...
Adoro tua matriz
Onde a velhinha feliz
Vai rezar o seu rosário;
Amo teu belo cruzeiro
Que lá no cimo do outeiro
Nos faz lembrar o Monte Calvário.
...
Amo os sinos maviosos

E os teus jardins olorosos
Que te dão tanta beleza!
Amo as igrejas dos montes
Amo as tuas velhas pontes
Que fazem lembrar Veneza.
...
Amo a vista deslumbrante
E a brisa acariciante
Do morro do Bom Jesus;
O Serra – velho idoso,
E o mês de doloroso
Que aos namorados seduz.
...
Adoro os velhos sobrados,
Onde nos tempos passados
Se cultivava o lirismo;
E os bancos da conceição
Onde sentou-se a paixão
No tempo do romantismo.
...
Adoro a Rua Direita,
Porque quanto mais se ajeita
Fica bem mais sinuosa;
E o Alto do Xavier
Que mostra pra quem quiser,
O quanto és majestosa!
...
Minh’alma também é louca
Por ti, cidade barroca,
Residência do saber;
Terra de João Ribeiro [e João Sapateiro],
Meu amor é verdadeiro

E te adoro até morrer

Referência das imagens: Acervo particular
Conjunto de palmeiras
Igreja Matriz Sagrado Coração de Jesus (1791-Século XVIII)
Conjunto de sobrados da Rua Direita (século XVIII-XIX)

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Entre as Cartas e Bilhetas de José Augusto Garcez, o Retrato de um Precursor da Museologia Sergipana*.


Carta de acervo particular de Silvia Garcez


A história de José Augusto Garcez se entrelaça com a história cultural do estado de Sergipe nas décadas de 40 e 50 do século XX. Nascido em 1918 na Usina Escurial em São Cristóvão (SE), começou sua vida de articulista aos 18 anos, escrevendo para vários jornais e envolvendo-se posteriormente com a museologia. Imbuído do desejo de musealizar as raízes culturais de seu Estado, José Augusto Garcez fundou, em 1948, e manteve com recursos próprios o “Museu Sergipano de Arte e Tradição”, hoje extinto. Foi neste Museu, funcionando a princípio em sua casa, que o intelectual preservou, pesquisou e comunicou parte do patrimônio salvaguardado. Mas sua atuação foi muito além.


Sabedor do poder do Rádio enquanto instrumento de educação e expansão da cultura, criou o programa “Panorama Cultural”, em 1949, na antiga Rádio PRJ 6, programa que se caracterizou pela divulgação das atividades desenvolvidas no âmbito de pesquisa do seu Museu, entre elas poesia, literatura brasileira e sergipana. Foi ainda o idealizador do Serviço de Pesquisa e Documentação Cultural-Científica, cuja função era resgatar documentos que versavam sobre a história sergipana e criou também a Biblioteca Popular Tobias Barreto.


Através da análise de cartas e bilhetes de José Augusto Garcez, enviados à intelectuais brasileiros, a exemplo de Sebrão Subrinho, Câmara Cascudo, Gustavo Barroso, entre outros podemos testificar as idéias do colecionador em ressaltar os valores culturais de Sergipe. Algo que podemos notar na carta do Ex-presidente da República Juscelino Kubitschek: “É admirável o Trabalho do Movimento Cultural de Sergipe, que reputo ser da maior significação para a cultura nacional. Só um espírito idealista voltado ao culto dos valores intelectuais, poderia promover essa iniciativa e leva-la galhardamente a cabo, apesar das dificuldades. Com os meus agradecimentos, envio-lhe sinceras congratulações e desejo-lhe êxito” (foto da carta acima).


Por meio dessas correspondências trocadas entre estes intelectuais, é possível também perceber a preocupação do colecionador em musealizar as raízes culturais de Sergipe. Preocupação que se entendeu ao campo da prática quando criou o Museu Sergipano de Arte e Tradição, fazendo desta instituição a primeira em Sergipe, a desenvolver as funções básicas de uma instituição museal: a preservação, pesquisa e comunicação.

Com o este trabalho pode-se concluir que a preocupação de Garcez com a musealização da memória cultural de Sergipe, apresentada em suas cartas e na sua atuação prática, o fazem precursor do pensamento museológico sergipano, devendo ser resgatado e estudado com profundidade. José Augusto Garcez, faleceu em Aracaju, no dia 12 de janeiro de 1992.




*Resumo da comunicação apresentada no V Workshop Arqueológico de Xingó/UFS em 2008


Referência Bibliográfica

GARCEZ, José Augusto. FOLCLORE: Realidade e Destino dos Museus. Aracaju. Livraria Regina, 1958.

José Augusto Garcez, precursor da museologia sergipana*



No mês de maio, período em que se comemora a Semana de Museus no Brasil, faz-se necessário resgatar fragmentos da história de um homem que contribuiu significativamente para o desenvolvimento e formação do pensamento museológico sergipano.

De acordo com a museóloga Cristina Bruno, “a construção da memória da Museologia é uma tarefa que não pode ser realizada, muitas vezes, sem o estudo biográfico e a análise da produção de seus principais protagonistas” (Bruno & Neves. Museus como agentes de mudança social e desenvolvimento. São Cristóvão: Museu de Arqueologia de Xingó, 2008. p. 23). Esse é o caso da Museologia sergipana, pois a trajetória do colecionador e museólogo José Augusto Garcez, se entrelaça com a história cultural do Estado de Sergipe, principalmente nas décadas de 1940 e 1950 do século XX, onde exerceu uma forte influência para o desenvolvimento dos nossos museus.

Nascido em 1918, na Usina Escurial (São Cristóvão), filho de Silvio Sobral Garcez e Carolina Sobral Garcez, iniciou seus estudos secundários no Colégio Tobias Barreto, concluindo-os no Colégio Maristas, em Salvador. Mais tarde, ainda na Bahia, iniciou o Curso de Direito, que, por motivos de saúde, não chegou a concluir. Foi nesse momento de fragilidade física que, Garcez conheceu o médico Prado Valadares, de quem se tornou amigo e a quem dedicou um interessante texto biográfico, em 1938. Iniciando sua atuação como articulista, aos 20 anos, Garcez passa a contribuir com vários jornais na Bahia, no Rio de Janeiro, em São Paulo e, sobretudo, na imprensa sergipana.

Intelectual atuante e aficionado pelo universo da cultura, José Augusto Garcez fez parte de mais de uma dezena de instituições culturais, dentre elas o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), a Sociedade Brasileira de Folclore, a Associação Sergipana e Brasileira de Imprensa. Ingressou na Academia Sergipana de Letras em 15 de novembro de 1972, tornando-se o ocupante da cadeira de número 22. Em 1953, fundou um dos mais importantes movimentos culturais do Estado, o Movimento Cultural de Sergipe, responsável pela edição de dezenas de livros, chegando à década de 1960, com 37 volumes publicados, revelando e destacando grandes nomes da literatura sergipana.

Imbuído do desejo de musealizar as raízes culturais de Sergipe, José Augusto Garcez fundou, em 1948, e manteve com recursos próprios, o “Museu Sergipano de Arte e Tradição”, o qual foi detentor de um grande acervo referente à cultura material de Sergipe, resultado de coletas feitas em suas viagens pelo interior do Estado. A partir de suas ações museológicas, Sergipe passa a se destacar no quadro da museologia nacional, acompanhando o período de efervescência do surgimento dos Museus de Arte Moderna. Nesse sentido, Maria Cecília Lourenço informa que, naquele contexto, “nem todos [os museus] são chamados de Museu de Arte (...). Outros contêm em sua denominação Museu de Arte e Tradição, como os do Estado do Sergipe, sediados em Aracaju (1948) e na cidade de Itaporanga D’Ajuda” (LOURENÇO. Museus Acolhem Moderno. EdUFS, 1999, p.89).

Foi no Museu de Arte e Tradição que o intelectual preservou, pesquisou e comunicou parte do patrimônio salvaguardado. Mesmo funcionando em um espaço inapropriado, o que limitava a expografia e dava um aspecto de grande reserva técnica ou depósito, a instituição cumpriu suas funções museais, conferindo-lhe destaque diante de sua funcionalidade e sendo bastante visitado. Foi nesse cenário que ocorreu um progressivo desenvolvimento das pesquisas e estudos da cultura material sergipana, desdobrando-se em algumas publicações, a exemplo de “Canudos Submersos” (1956), “Holandeses em Sergipe” (no prelo), “O destino da Província” (1954), dentre outros. Sua casa tornou-se um centro irradiador do pensamento museológico sergipano, sendo sua coleção uma chave reveladora para o seu entendimento, através da qual seus estudos construíam, reconstruíam e desconstruíam versões pautadas no processo da pesquisa de documentação museológica.

Como reza o ditado popular, “costume de casa vai à praça”, assim fez o colecionador, extrapolando para além da sua residência, os conhecimentos museológicos. Sabedor do poder do rádio, enquanto instrumento de educação e expansão da cultura, Garcez criou o programa “Panorama Cultural”, em 1949, na antiga Rádio PRJ 6, o qual se caracterizou pela divulgação das atividades de pesquisa desenvolvidas no âmbito do Museu de Arte e Tradição, entre elas poesia, literatura brasileira e sergipana.

Garcez foi o idealizador do Serviço de Pesquisa e Documentação Cultural-Científica, cuja função era resgatar documentos que versavam sobre a história sergipana, criando, também a Biblioteca Popular Tobias Barreto, fatos que atestam as idéias do colecionador em ressaltar os valores culturais de Sergipe.

Atuando em vários planos da Museologia, Garcez foi da prática à teoria com o seu livro “Realidade e Destino dos Museus” (Aracaju: Livraria Regina, 1958), sendo o responsável por uma obra pioneira de análise crítica e comparativa das primeiras instituições museológicas do Estado de Sergipe. Através da sua leitura é possível perceber a sua insurgente atuação em prol da cultura sergipana, sobretudo no campo Museológico, reivindicando melhorias para os nossos museus e, até mesmo, a criação de um museu para a cidade de Aracaju.

Partindo dessa breve análise da atuação de Garcez, podemos concluir que a sua preocupação com a musealização da memória cultural de Sergipe e a sua atuação prática – fazendo do Museu Sergipano de Arte e Tradição o primeiro espaço que efetivamente desenvolveu as funções básicas de uma instituição museal: a preservação, pesquisa e comunicação – torna-o precursor do pensamento museológico sergipano. Em 1976, parte da sua coleção foi vendida para o governo do Estado e passou a compor os acervos do Museu Histórico de Sergipe (São Cristóvão), do Museu Afro-Brasileiro de Sergipe (Laranjeiras) e do Arquivo Público Estadual, em Aracaju.

Em 12 de janeiro de 1992, aos 74 anos, José Augusto Garcez faleceu em Aracaju. Na ocasião, Luiz Antônio Barreto destacou que: “mais do que a foto antiga repleta de mortos, fica a memória, o gesto (...) abençoa[n]do a todos que buscavam na sua casa - mais que uma casa, um refúgio e um museu - o contato e o convívio da intimidade que a cultura sempre fez possível, pela linguagem do mesmo fazer” (José Augusto Garcez, um estranho homem. Revista do IHGSE. N° 31, 1992). Assim, entre os que fazem a Museologia sergipana hoje, resta uma dívida para com Garcez, homem cuja obra pode e deve ser resgatada e discutida.

*Texto publicado no Jornal da Cidade, Caderno B / Opinião /no dia 31/05/2009