sexta-feira, 5 de agosto de 2011

MUSEOLOGIA SOCIAL: A FORMAÇÃO DE UM CONCEITO*

Cláudio de J. Santos(Chacal)
Museólogo graduado pela UFS

O que é a Museologia Social? Tentando esclarecer essa questão, muito presente nas práticas museológicas da contemporaneidade, é que faremos uma breve apresentação acerca da formação desse conceito, amplamente discutido dentro do campo da ciência museológica.
Nesse sentido, para dar início a discussão, destacamos o conceito formulado pelo Museólogo Português Mario Moutinho, um dos principais pensadores da Museologia Social. Segundo ele, o conceito “... traduz uma parte considerável do esforço de adequação das estruturas museológicas aos condicionalismos da sociedade contemporânea” (1993, p. 07).
Partindo desta afirmação de Moutinho podemos entender esta adequação da Museologia como sendo, ainda, a necessidade de acompanhar o movimento de mudanças ocorridas na sociedade, algo que não poderia deixar de refletir no museu enquanto uma instituição responsável por representar a realidade sociocultural de um grupo.
Os primeiros reflexos indicadores de uma mudança no campo da Museologia, no que tange a relação “museu x território” têm um marco inicial, poderíamos assim dizer, com as ações e o pensamento de Georges Henri Rivière no Museu do Creusot, em 1967, na França, o qual pode ser considerado como o principal mentor responsável por popularizar “a idéia”, conceituada posteriormente por Hugues de Varine como ecomuseologia, a partir da popularização e definição deste termo, o qual concebe o museu como um espaço que extrapola o modelo tradicional de uma instituição entre paredes e abrange o seu território numa interação do patrimônio com a comunidade local.



Varine, criador do conceito Ecomuseologia

Com a possibilidade de difundir a sua filosofia, acerca da ecomuseologia, na posição de diretor do Conselho Internacional de Museus – ICOM de 1948 a 1965, Rivière marca a história da formação do pensamento museológico, convergindo para os museus a importância de se discutir o seu papel social.
A partir desse momento, estavam lançadas as bases para as questões que seriam levantadas na Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972. No referido evento organizado pelo ICOM o foco seria os museus Latino-americanos, sendo também importante ressaltar que a Mesa-Redonda acontece num período de “mudanças relevantes na Museologia e na proposta de como deveria atuar os museus na América Latina” (CARVALHO, 2008, p. 44).
A realização da Mesa Redonda de Santiago do Chile foi, ainda, um aceno para a sociedade perceber a importância do museu como instrumento de desenvolvimento e a sua responsabilidade social, até então muito apagada e distante da realidade Latino-americana.
Dentre as resoluções adotadas pela mesma, uma das mais relevantes para a Museologia, no que tange a uma contribuição teórica, que colaborou para o delineamento da Museologia social foi a proposição de um novo conceito: o de museu integral o qual proporciona “a comunidade uma visão de conjunto de seu meio material e cultural” (ARAUJO e BRUNO, 1995, p,24).
Partindo das contribuições teóricas da Mesa-Redonda de 1972, realizada em Santiago do Chile, Mário Moutinho define o museu integral como um “novo museu”, sendo:

uma instituição ao serviço e inseparável da sociedade que lhe dá vida. Capaz de estimular em cada comunidade uma vontade de ação, aprofundando a consciência crítica de cada um dos seus membros. Buscando os fundamentos da ação nas condições históricas de desenvolvimento de cada comunidade. A este museu, compete igualmente uma prática direta nos processos de desenvolvimento fazendo uso da interdisciplinaridade em particular na área das ciências humanas (1989, p.35-36)

Nesse contexto, devido o diálogo entre os diversos campos do conhecimento das ciências sociais, a discussão da vazão a um movimento que surge na década de 1980, denominado de Nova Museologia. É a partir daí que o museu tradicional se defronta, então, com o novo museu.

A transição e a redefinição de um modelo de museu pouco interativo, para um modelo mais maleável e dinâmico com o seu contexto social, podem ser entendidas também como um reflexo das mudanças ocorridas a cerca do “alargamento da noção de patrimônio” (MOUTINHO, 1993, p. 08). O que acabou refletindo na mudança do entendimento que se tinha sobre “objeto museológico”, saindo assim de uma visão reducionista do termo para um sentido mais abrangente, passando a ser pensado, não mais como protagonista, e sim como um coadjuvante diante do grupo social que o manipula. Tivemos então uma inversão dos papéis.
Apesar do Movimento intitulado de “Nova Museologia” ter oficialmente suas bases lançadas na década de 80, mais especificamente em 1984, com a Declaração de Quebec, as ações do movimento em afirmar a função social do museu e seu caráter global já remetia a década de 70, sendo referenciada também na Mesa Redonda de Santiago do Chile.
Diferentemente do que pensam alguns estudiosos, de outras áreas, que se enveredam pelo campo de estudos dos museus, a Nova Museologia não foi um movimento segregador e de discriminação as antigas práticas museológicas, mas sim outra possibilidade de se pensar o museu, ou seja, de uma forma mais humana. Pois como ressalta Maria Célia Teixeira Moura Santos:

a classificação Nova Museologia não pode ser evolucionista, pois a realidade social é multidimensional. A prática da Nova Museologia é humana e, consequentemente, não pode ser dissociada de experiências passadas e embrionárias (2008, p.71).

Mas também, é preciso frisar que, nem toda Museologia é social (SANTOS, 2008), se levarmos em consideração, é claro, o sentido prático do conceito de Museologia Social construído em cima da idéia do “novo museu”. Não é o fato do campo do conhecimento museológico lidar com a relação patrimônio x público que chancela este segmento da Museologia, mas sim a forma como é desempenhado o processo de pensamento acerca do seu “patrimônio” e a sua atuação. Pois, ainda existem instituições museológicas que não se adequaram nas práticas do “novo museu” e continuam distante da realidade social do contexto em que está inserido.
Para Hugue de Varine (2005) a dificuldade no reconhecimento e aceitação, dos novos modelos de instituições museológicas pelas instâncias administrativas, advém da associação do museu a comunidade, ao território, a população e o patrimônio, contestada por diversas razões as quais, segundo o autor, podem estar explicitas ou implícitas:

o desrespeito aos princípios tradicionais da museologia; particularmente, a menor atenção dada à coleção permanente, à pesquisa acadêmica e à conservação; a modéstia e mesmo a pobreza técnica e científica das exposições e manifestações culturais organizadas pelo museu; a ausência de qualificação profissional reconhecida dos responsáveis e dos colaboradores desses museus, que são freqüentemente autodidatas em museologia e museografia; uma confusão com outras realidades ou conceitos, como os centros de interpretação, os parques naturais, os sítios históricos, certos lugares de interesse turístico e parques temáticos (VARINE, 2005, p. 1-2).

Para além dessas questões Varine coloca como urgente, a necessidade de lançar um novo debate que não seja teórico, mas a partir das experiências lançadas ou em curso colocando problemas concretos vividos pelos atores locais (2005, p. 2). Mas, apesar das dificuldades ainda encontradas no campo museológico pela Nova Museologia no que tange ao seu estabelecimento, o movimento ideológico conseguiu dar novos rumos aos museus e as suas relações com o contexto social, contribuindo para o amadurecimento e renovação da ciência museológica (SANTOS, 2008, p.21). Foi justamente essa renovação que possibilitou o surgimento e a formação da Museologia Social.
*Texto extraído de "A Caminho da Casa. In: Era uma casa, era um museu: A Formação do Pensamento Museológico Social Sergipano em José Augusto Garcez. Monografia apresentada a UFS. Julho de 2011, p.20-24.

Referências

MOUTINHO, Mário. Museus e Sociedade: Reflexões sobre a função social do museu. Caderno de Patrimônio, 1989.

_____. Sobre o conceito de Museologia Social. Cadernos de Museologia n°1.1993.

ARAUJO, Marcelo Mattos e BRUNO, M.C. Oliveira (Org.). A memória do pensamento museológico contemporâneo: Documentos e depoimentos. Comitê Brasileiro de ICOM, 1995.

SANTOS, Maria Célia Teixeira Moura Santos. Reflexões sobre a Nova Museologia. In:_____ Encontros Museológicos – reflexões sobre a museologia, a educação e o museu. Rio de Janeiro, Minc/IPHAN/DEMU, 2008.

VARINE, Hugues de. O museu comunitário é herético?2005. Disponível em: Acessado no dia 20 de Junho de 2011.