segunda-feira, 20 de maio de 2013

MEMÓRIAS EM CARTAS: PROPOSTA DE VENDA DO ACERVO DO MUSEU SERGIPANO DE ARTE E TRADIÇÃO NA DÉCADA DE 1980 DO SÉCULO XX






No ano em que a Museologia discute a importância da criatividade na gestão dos museus para a mudança social, apresento uma correspondência datada do dia 13 de novembro de 1987. Nela José Augusto Garcez relata a sua batalha para a manutenção do museu e coloca a venda o prédio e o acervo do Museu Sergipano de Arte e Tradição e dos outros órgãos de cultura que contribuíram para movimentar o cenário cultural sergipano por várias décadas no século XX.

Através da carta podemos perceber a importância do seu Museu enquanto um órgão que contribuiu com resistência ao indiferentismo do Estado para coletar, preservar, pesquisar e comunicar uma parte significativa do patrimônio cultural sergipano, hoje presente em diversos museus do Estado. A seguir transcrevemos a carta:


Aracaju, 13 de novembro de 1987.
Exmo. Sr.
Arnaldo Rolemberg Garcez
MD.Prefeito Municipal
ITAPORANGA D AJUDA


Ao longo de minha vida, toda ela dedicada ao estudo, pesquisa e ainda interpretação dos fatos culturais de Sergipe, tive a oportunidade de viajar pelo interior de nosso estado, reunindo importantes informações e valiosos subsídios sobre o nosso processo de evolução econômica, social e cultural.

Sem nunca contar com auxílios ou subvenções do Governo quer Federal, Estadual ou Municipal, retirando dos meus salários de aposentado do Banco do Brasil S.A. , sob a égide da vocação e do idealismo, numa luta obstinada e sofrida, fundei e venho tentando conservar sem a colaboração de qualquer espécie de colaboração, os seguintes organismos :

O Museu Sergipano de Arte e Tradição;

Biblioteca Popular Tobias Barreto;

Museu de História e Ciências

Um Arquivo sobre figuras da vida do Estado.

Se agi assim, devo dizer a V. Exa., que o fiz porque não podia permanecer estático, indiferente, sitiado no marasmo provinciano, vendo se esfacelar, em razão de um pretenso progresso, expressivas contribuições do nosso passado.

Agi sem dúvida alguma, com espírito público, mesmo porque o Patrimônio Histórico e Artístico, os bens culturais tem que ser defendidos com ardor, civismo e patriotismo, porque serão centros de atração, inclusive turística, com a missão de ensinar e educar as gerações, despertando vocações, criando condições de sobrevivência e todas as áreas da cultura.

Procurei assim vencer o indiferentismo provinciano e as poucas bibliotecas, arquivos e museus vão perecendo um a um por falta de estímulos e recursos.

Isto posto, cercado de imagens vivas do passado, lembrança de tantas pesquisas e aquisições, sem mais poder levar avante todo o meu trabalho, solicito a V.Exa., estudar a possibilidade da Prefeitura Municipal de Itaporanga D’ Ajuda, para efeito de compra, de utilidade pública o prédio, o acervo do Museu, do Arquivo e da Biblioteca Popular Tobias Barreto, que mantenho nessa Cidade.

Devo confessar a Vossa Exa., que devemos integrar o espírito cívico, patriota, uma ação cultural verdadeiramente na cidade de Itaporanga D’Ajuda , bem assim em todas as comunidades , levando-se em consideração o espírito da lei ainda vigente nas cartas Magnas Nacional e Estadual.

É dever e preocupação dos órgãos oficiais apresentarem e defenderem projetos culturais, objetivando o soerguimento da memória regional que lentamente vai desaparecendo e, no caso especifico , de Itaporanga D’Ajuda , desaparecerá com o fim das atividades da aludida Biblioteca e do referido Museu , os quais já sofreram assaltos, obrigando-me a pagar, do meu próprio bolso , um vigilante para tomar conta deles.

Caso Vossa Excelência, decida acolher a minha pretensão, que considero oportuna e interessante para essa cidade, poderá a Prefeitura Municipal de Itaporanga D’Ajuda contar com o apoio do Governo do Estado, do Banco do Brasil S/A e de empresas outras, as quais poderão se beneficiar dos incentivos fiscais, previstos na legislação pertinente, conhecida da Lei de Incentivos Fiscais para a cultura, sancionada, em 1985, pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República José Sarney.

Almejo expressar a V.Exa. , o testemunho inequívoco de apreço e dinamismo pelo que ainda pode executar em prol do município e do Estado, na promoção dos bens culturais e dos valores sergipanos, culminando pela vitória de uma justa causa e enobrecendo nossas tradições.

José Augusto Garcez

REFERÊNCIA:
Arquivo do Memorial de Sergipe.José Augusto Garcez. Correspondência para Arnaldo Rolemberg.1987. (Caixa 03).

JOSÉ AUGUSTO GARCEZ E A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA ACRIAÇÃO DO MUSEU HISTÓRICO DE SERGIPE

Cláudio de Jesus Santos

Texto apresentado na 11ª Semana Nacional de Museus no Museu Histórico de Sergipe na Mesa Redonda: Museus (memória + criatividade) = Mudança Social no dia 17 de maio de 2011.





Refletindo acerca do tema da 11ª Semana Nacional de Museus, “Museus (memória + criatividade) = mudança social”, não poderia deixar de ressaltar que essa temática, em forma de equação poética, sempre foi constante nos fazeres museológicos de Sergipe desde a sua origem, por mais que em alguns momentos o resultado não tenha sido tão satisfatório quanto se esperava. Que o diga José Augusto Garcez, com a sua luta constante pela institucionalização de um museu mantido pelo governo do estado, nas décadas de 1940 e 1950 do século XX.

Até então nesse período, mesmo possuindo dois museus, o Museu do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (1912) e o Museu Histórico Horácio Hora em Laranjeiras (1942), Sergipe permaneceu por quase quatro décadas numa espécie de “inércia museológica”, uma situação que veio ser sanada com a atitude de Garcez após fundar o Museu Sergipano de Arte e Tradição em sua casa. De acordo com Maria Lourenço é justamente nesse período, no qual surge a instituição, que “Museu pouco mais é que improviso, ação entre amigos e vôo cego quanto a sua permanência e continuidade” (1999, p.21). A autora fala justamente da falta de apoio do poder público para a criação de museus, ficando sua criação nas mãos de sujeitos preocupados com a preservação do patrimônio e da memória.

A partir das suas ações museológicas, de coleta, preservação, pesquisa e comunicação Sergipe passa a ter mais destaque no quadro da museologia nacional, acompanhando o período de efervescência do surgimento dos Museus de Arte Moderna. Como compreende Lourenço, “nem todos são chamados de Museu de Arte (...). Outros contêm em sua denominação Museu de Arte e Tradição, como os do Estado do Sergipe, sediados em Aracaju (1948) e na cidade de Itaporanga D’Ajuda” (1999, p.89). Através da citação da autora podemos perceber a importância do museu criado por Garcez para a composição do cenário museológico sergipano, na década de 40, podendo ser percebido também como um elemento de ruptura para a renovação da Museologia no Estado, que passa a ganhar um novo modelo de museu.

Apesar das dificuldades no campo museológico, importa esclarecer que o museu idealizado e gestado por Garcez conseguiu inaugurar uma fase importante da Museologia sergipana, sendo um divisor de águas, não só nos fazeres museológicos como também na formulação do seu pensamento. Isso pode ser notado através das relações que o museu, estabelecia com a “comunidade científica” enquanto um produtor ativo do conhecimento, como também com a população passando a disseminar uma equação básica “museu + criatividade = mudança social”, definida quase vinte anos depois em Santiago do Chile como Museu Integral.

Assim, mesmo, segundo Garcez, “não correspondendo a técnica exigida na perfeita função do verdadeiro Museu” a instituição recebeu vários comentários em âmbito nacional das mais diversas autoridades da área cultural, a exemplo de Drummond, Menotti Del Picchia, Gustavo Barroso, David Carneiro, Fernando de Azevedo e outros que colocam o Museu Sergipano de Arte e Tradição em uma posição de importância na composição do quadro museológico nacional, os quais manifestam votos de apoio ao seu empreendimento em prol do desenvolvimento cultural do estado de Sergipe.

É nesse contexto de grande descaso político com os museus em Sergipe, que Garcez fala para os poderes públicos, chamando atenção para as suas carências, as quais segundo ele impediam que as instituições vivessem “objetivamente a missão e função pedagógica, artística e científica” (GARCEZ, 1958, p.54).

É partindo da luta pela preservação do patrimônio cultural no Estado que José Augusto Garcez dá início a campanha pela construção do Museu Social de Sergipe, contando ainda com o apoio de outros intelectuais, a exemplo de Luis da Câmara Cascudo, que através de correspondências passa a ser um dos principais incentivadores do seu projeto, enviando cartas para autoridades políticas, a exemplo dos Governadores Arnaldo Garcez e Leandro Maynard Maciel em 1958.

A batalha para a implantação do Museu em Sergipe, na ótica de Garcez, é entendida não só pela necessidade da defesa do patrimônio sergipano, mas também pela obrigação do Estado em apoiar tal empreendimento, uma vez que dispunha de recursos necessários para manter um museu que funcionasse de “forma correta” dentro das normas técnicas da Museologia.

Mesmo tendo suas “pretensões frustradas”, como disse Garcez, por não conseguir institucionalizar o Museu Sergipano de Arte e Tradição, transformando-o no Museu Social de Sergipe, José Augusto Garcez conseguiu na prática fazer com que seu museu exercesse a função social em favor do desenvolvimento sociocultural do Estado. Garcez conseguiu impulsionar ainda a necessidade de um “organismo vivo” e a sua importância de servir a toda população para a construção de um conhecimento necessário em prol da valorização do patrimônio sergipano.

Coincidência ou não, um ano após Garcez publicar sua obra de análise crítica “Realidade e destino dos Museus”, em 1958, também uma espécie de diário de sua batalha em prol da criação de um museu para Sergipe, começa-se a ser apresentado o Museu de História e Arte Popular, em 1959.

Mas foi no ano seguinte no dia 05 de maço de 1960, ainda no Governo de Luiz Garcia, que foi inaugurado o Museu Histórico de Sergipe, estando a frente do seu projeto Junot Silveira, então secretário do Governador.
Mesmo José Augusto Garcez não estando diretamente ligado a criação do MHSE, no que tange ao seu projeto, obviamente por retaliação política, não resta dúvidas da sua contribuição para a realização da primeira ação museológica efetiva do Estado de Sergipe.





Foto:http://prefeiturasc.blogspot.com.br/


Anos mais tarde, por ironia de mnemosine, na década de 1970, parte do acervo do Museu Sergipano de Arte e Tradição foi vendida para o Estado, passando a compor não só o rico acervo do Museu Histórico de Sergipe, como também de outros museus sergipanos. Não só isso, mais do que o acervo, Garcez deixou de legado para o MHSE a importância de somar memória e criatividade em prol da mudança social.

REFERÊNCIAS

CASCUDO, Câmara. Em Sergipe del Rey – Movimento Cultural de Sergipe, 1953.

FRAGATA, Thiago; SANTOS, Cláudio de Jesus. Cinquentenário do Museu Histórico de Sergipe: os pioneiros (II). Jornal da Cidade, Aracaju, p. 11 - 11, 04 abr. 2010.

GARCEZ, José Augusto. Realidade e Destino dos Museus. Aracaju. Livraria Regina, 1958.

LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus Acolhem Moderno. São Paulo. Editora da Universidade Federal de Sergipe, 1999.

SANTOS, Cláudio de Jesus. Era uma casa, era um museu: José Augusto Garcez e a formação do pensamento museológico sergipano.2011. 72f. Monografia. – Núcleo de Museologia - UFS. Sergipe, 2011.

_____. José Augusto Garcez e a Museologia Social em Sergipe. CIMFORM, Aracaju, p. 2 - 2, 29 nov. 2010.

_____. José Augusto Garcez, precursor da Museologia Sergipana. Jornal da Cidade, Aracaju, p. 08-08, 01 jun. 2009.

CINQUENTENÁRIO DO MUSEU HISTÓRICO DE SERGIPE: OS PIONEIROS (II)*




Thiago Fragata**

Cláudio de Jesus Santos**


Os 50 anos do Museu Histórico de Sergipe festejado em março não olvida os antecedentes. O Museu de História e Arte Popular, como foi anunciado em agosto de 1959, por Junot Silveira, lembrava o Museu Sergipano de Arte e Tradição criado por José Augusto Garcez em 1948.(1) Neste tópico falaremos do pioneirismo deste e de outros pesquisadores que influíram direta ou indiretamente na concepção do Museu Histórico de Sergipe.

José Augusto Garcez nasceu em 1918, na Usina Escurial, em São Cristóvão. Iniciou seus estudos secundários no Colégio Tobias Barreto, concluindo no Colégio Maristas, em Salvador. Mais tarde, ainda na Bahia, iniciou o Curso de Direito, que, por motivos de saúde, não chegou a concluir. Aos 20 anos o sancristovense era colaborador em jornais de Sergipe, Rio de Janeiro e São Paulo. Imbuído do desejo de musealizar as raízes culturais de Sergipe, José Augusto Garcez fundou, em 1948, e manteve com recursos próprios, o Museu Sergipano de Arte e Tradição, o qual foi detentor de um grande acervo referente à cultura material de Sergipe, resultado de coletas feitas em suas viagens pelo interior do Estado. A partir de suas ações museológicas, Sergipe passa a se destacar no quadro da museologia nacional, acompanhando o período de efervescência do surgimento dos Museus de Arte Moderna.(2)

No Museu de Arte e Tradição o intelectual preservou, pesquisou e comunicou o patrimônio salvaguardado. Mesmo funcionando em um espaço inapropriado, o que limitava a expografia e dava um aspecto de grande reserva técnica ou depósito, a instituição cumpriu suas funções museais, conferindo-lhe destaque diante de sua funcionalidade e sendo bastante visitado.

Atuando em vários planos da Museologia, Garcez foi da prática à teoria com o seu livro Realidade e Destino dos Museus, de 1958, sendo o responsável por uma obra pioneira de análise crítica-comparativa das primeiras instituições museológicas do Estado. Diante do exposto, não havia como conceber o Museu de História e Arte Popular, em 1959, que se concretizaria no ano seguinte com o nome de Museu de Sergipe.(3)

Dois nomes influenciaram na escolha do antigo Palácio Provincial de São Cristóvão para sediar a instituição museal: José Calasans Brandão da Silva e Lauro Barreto Fontes. O primeiro nascido em Aracaju (1915), professor, folclorista e renomado historiador da História de Aracaju e da Guerra de Canudos. O papel de José Calasans como primeiro agente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe foi relegado pelos pesquisadores da sua vida e obra, daí a grande dificuldade para escrever esse parágrafo. Somente numa entrevista concedida na Videoteca Aperipê Memória (TV Aperipê), em dezembro de 1993, Calasans depõe que junto com o engenheiro Lauro Barreto Fontes foi responsável “na preparação daquele museu de São Cristóvão”. Ele esclarece que parte do acervo que recolheu para o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe foi doado para compor a instituição. Em seguida o entrevistado afirma: “foi uma sugestão, de certo ponto, minha que levou o Luís Garcia a fazer àquele Museu”.

O engenheiro Lauro Barreto Fontes era, coincidentemente, agente do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe a época da inauguração do Museu de Sergipe. A partir de um apelo seu e do amigo José Calasans junto ao Governador de Sergipe Luis Garcia, em Ondina, Salvador, nos idos de fevereiro ou março de 1959, este se convenceu a abraçar a idéia.(4) Do encontro saíram Luis Garcia e seu Secretário de Governo, Junot Silveira, convencidos da importância e viabilidade do projeto sugerido pelos conterrâneos.

Naquele ano(1959), enquanto os jornais sergipanos anunciavam o futuro Museu, Maria Thetis Nunes concluía o curso de Museologia, no Museu Imperial do Rio de Janeiro, como aluna de Gustavo Dodt Barroso, considerado o “Pai da Museologia Brasileira”.(5) Embora a professora Thetis, como era conhecida, não tenha desenvolvido trabalhos na área - ela faleceu em setembro de 2009 e sequer foi pegar diploma - o jornal A Cruzada chegou a anunciá-la como diretora do Museu Histórico de Sergipe. Receber agradecimento de Junot Silveira, no dia da inauguração do Museu Histórico de Sergipe (3/5/1960), endossa sua participação na obra.

O próximo artigo será dedicado a Jenner Augusto. Focaremos sua vida, arte e o desafio de organizar o Museu Histórico de Sergipe. Até porque não há como falar do passado e presente desse museu sem considerar a determinação, a sensibilidade e o amor que o artista aracajuano tinha pela instituição.

* Artigo publicado JORNAL DA CIDADE. Aracaju, ano XXXIX, n. 11314, 4 e 5/4/2010, p. B11.

** Thiago Fragata é poeta, professor especialista em História Cultural, (UFS) sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS). E-mail: thiagofragata@gmail.com

**Claudio de Jesus Santos é graduando em Museologia (UFS).

1 - São Cristóvão, sede do Museu de Arte Popular. Correio de Aracaju. Aracaju, ano LII. N. 6272, 29/08/1959, p. 4.

2 - LOURENÇO. Museus acolhem Moderno. Caderno EDUFS, 1999, p.89.

3 - SANTOS, Cláudio de Jesus. José Augusto Garcez, precursor da museologia sergipana. Jornal da Cidade. Aracaju, 1/6/2009, p. B6.

4 - SILVEIRA, Junot. O Museu de Sergipe. A Tarde. Salvador, 27/2/1994, p. 5.

5 - FRAGATA, Thiago. Thetis Nunes, museóloga sim! Divirta-se. Aracaju, ano 1, n. 6, nov. 2009,