terça-feira, 24 de abril de 2018

Museologia e Ciências da Religião: uma relação entre o patrimônio e o fenômeno religioso

Após um bom tempo sem publicar na página, devido a existência de problemas com login (recuperei a senha rsrs), a página “ensaios museológicos”, está voltando a sua atividade. Agora irei ampliar um pouco mais o quadro de discussões, não ficando apenas relacionado ao universo museológico, mas partindo também para o campo da Ciências da Religião. Na verdade uniremos o útil ao agradável.
Partindo do princípio que o foco da página é a discussão em torno das questões da Museologia e do patrimônio cultural, buscaremos relacioná-los ao universo das religiões de matriz africana. Dessa forma, iremos estabelecer conexões, e entender de que forma a museologia vem contribuindo no desenvolvimento de projetos relacionados a preservação de bens culturais produzidos pelas comunidades de terreiro, e de que forma influencia no universo afro-religioso.
Enquanto pesquisador, defensor e militante não apenas da “museologia social”, mas também do campo religioso afro-brasileiro, acredito que os terreiros de candomblé são espaços favoráveis para o seu estudo e desenvolvimento, pois possibilita na prática a construção e “eleição” dos bens musealizados pelas próprias comunidades.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

MEMÓRIAS EM CARTAS: PROPOSTA DE VENDA DO ACERVO DO MUSEU SERGIPANO DE ARTE E TRADIÇÃO NA DÉCADA DE 1980 DO SÉCULO XX






No ano em que a Museologia discute a importância da criatividade na gestão dos museus para a mudança social, apresento uma correspondência datada do dia 13 de novembro de 1987. Nela José Augusto Garcez relata a sua batalha para a manutenção do museu e coloca a venda o prédio e o acervo do Museu Sergipano de Arte e Tradição e dos outros órgãos de cultura que contribuíram para movimentar o cenário cultural sergipano por várias décadas no século XX.

Através da carta podemos perceber a importância do seu Museu enquanto um órgão que contribuiu com resistência ao indiferentismo do Estado para coletar, preservar, pesquisar e comunicar uma parte significativa do patrimônio cultural sergipano, hoje presente em diversos museus do Estado. A seguir transcrevemos a carta:


Aracaju, 13 de novembro de 1987.
Exmo. Sr.
Arnaldo Rolemberg Garcez
MD.Prefeito Municipal
ITAPORANGA D AJUDA


Ao longo de minha vida, toda ela dedicada ao estudo, pesquisa e ainda interpretação dos fatos culturais de Sergipe, tive a oportunidade de viajar pelo interior de nosso estado, reunindo importantes informações e valiosos subsídios sobre o nosso processo de evolução econômica, social e cultural.

Sem nunca contar com auxílios ou subvenções do Governo quer Federal, Estadual ou Municipal, retirando dos meus salários de aposentado do Banco do Brasil S.A. , sob a égide da vocação e do idealismo, numa luta obstinada e sofrida, fundei e venho tentando conservar sem a colaboração de qualquer espécie de colaboração, os seguintes organismos :

O Museu Sergipano de Arte e Tradição;

Biblioteca Popular Tobias Barreto;

Museu de História e Ciências

Um Arquivo sobre figuras da vida do Estado.

Se agi assim, devo dizer a V. Exa., que o fiz porque não podia permanecer estático, indiferente, sitiado no marasmo provinciano, vendo se esfacelar, em razão de um pretenso progresso, expressivas contribuições do nosso passado.

Agi sem dúvida alguma, com espírito público, mesmo porque o Patrimônio Histórico e Artístico, os bens culturais tem que ser defendidos com ardor, civismo e patriotismo, porque serão centros de atração, inclusive turística, com a missão de ensinar e educar as gerações, despertando vocações, criando condições de sobrevivência e todas as áreas da cultura.

Procurei assim vencer o indiferentismo provinciano e as poucas bibliotecas, arquivos e museus vão perecendo um a um por falta de estímulos e recursos.

Isto posto, cercado de imagens vivas do passado, lembrança de tantas pesquisas e aquisições, sem mais poder levar avante todo o meu trabalho, solicito a V.Exa., estudar a possibilidade da Prefeitura Municipal de Itaporanga D’ Ajuda, para efeito de compra, de utilidade pública o prédio, o acervo do Museu, do Arquivo e da Biblioteca Popular Tobias Barreto, que mantenho nessa Cidade.

Devo confessar a Vossa Exa., que devemos integrar o espírito cívico, patriota, uma ação cultural verdadeiramente na cidade de Itaporanga D’Ajuda , bem assim em todas as comunidades , levando-se em consideração o espírito da lei ainda vigente nas cartas Magnas Nacional e Estadual.

É dever e preocupação dos órgãos oficiais apresentarem e defenderem projetos culturais, objetivando o soerguimento da memória regional que lentamente vai desaparecendo e, no caso especifico , de Itaporanga D’Ajuda , desaparecerá com o fim das atividades da aludida Biblioteca e do referido Museu , os quais já sofreram assaltos, obrigando-me a pagar, do meu próprio bolso , um vigilante para tomar conta deles.

Caso Vossa Excelência, decida acolher a minha pretensão, que considero oportuna e interessante para essa cidade, poderá a Prefeitura Municipal de Itaporanga D’Ajuda contar com o apoio do Governo do Estado, do Banco do Brasil S/A e de empresas outras, as quais poderão se beneficiar dos incentivos fiscais, previstos na legislação pertinente, conhecida da Lei de Incentivos Fiscais para a cultura, sancionada, em 1985, pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República José Sarney.

Almejo expressar a V.Exa. , o testemunho inequívoco de apreço e dinamismo pelo que ainda pode executar em prol do município e do Estado, na promoção dos bens culturais e dos valores sergipanos, culminando pela vitória de uma justa causa e enobrecendo nossas tradições.

José Augusto Garcez

REFERÊNCIA:
Arquivo do Memorial de Sergipe.José Augusto Garcez. Correspondência para Arnaldo Rolemberg.1987. (Caixa 03).

JOSÉ AUGUSTO GARCEZ E A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA ACRIAÇÃO DO MUSEU HISTÓRICO DE SERGIPE

Cláudio de Jesus Santos

Texto apresentado na 11ª Semana Nacional de Museus no Museu Histórico de Sergipe na Mesa Redonda: Museus (memória + criatividade) = Mudança Social no dia 17 de maio de 2011.





Refletindo acerca do tema da 11ª Semana Nacional de Museus, “Museus (memória + criatividade) = mudança social”, não poderia deixar de ressaltar que essa temática, em forma de equação poética, sempre foi constante nos fazeres museológicos de Sergipe desde a sua origem, por mais que em alguns momentos o resultado não tenha sido tão satisfatório quanto se esperava. Que o diga José Augusto Garcez, com a sua luta constante pela institucionalização de um museu mantido pelo governo do estado, nas décadas de 1940 e 1950 do século XX.

Até então nesse período, mesmo possuindo dois museus, o Museu do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (1912) e o Museu Histórico Horácio Hora em Laranjeiras (1942), Sergipe permaneceu por quase quatro décadas numa espécie de “inércia museológica”, uma situação que veio ser sanada com a atitude de Garcez após fundar o Museu Sergipano de Arte e Tradição em sua casa. De acordo com Maria Lourenço é justamente nesse período, no qual surge a instituição, que “Museu pouco mais é que improviso, ação entre amigos e vôo cego quanto a sua permanência e continuidade” (1999, p.21). A autora fala justamente da falta de apoio do poder público para a criação de museus, ficando sua criação nas mãos de sujeitos preocupados com a preservação do patrimônio e da memória.

A partir das suas ações museológicas, de coleta, preservação, pesquisa e comunicação Sergipe passa a ter mais destaque no quadro da museologia nacional, acompanhando o período de efervescência do surgimento dos Museus de Arte Moderna. Como compreende Lourenço, “nem todos são chamados de Museu de Arte (...). Outros contêm em sua denominação Museu de Arte e Tradição, como os do Estado do Sergipe, sediados em Aracaju (1948) e na cidade de Itaporanga D’Ajuda” (1999, p.89). Através da citação da autora podemos perceber a importância do museu criado por Garcez para a composição do cenário museológico sergipano, na década de 40, podendo ser percebido também como um elemento de ruptura para a renovação da Museologia no Estado, que passa a ganhar um novo modelo de museu.

Apesar das dificuldades no campo museológico, importa esclarecer que o museu idealizado e gestado por Garcez conseguiu inaugurar uma fase importante da Museologia sergipana, sendo um divisor de águas, não só nos fazeres museológicos como também na formulação do seu pensamento. Isso pode ser notado através das relações que o museu, estabelecia com a “comunidade científica” enquanto um produtor ativo do conhecimento, como também com a população passando a disseminar uma equação básica “museu + criatividade = mudança social”, definida quase vinte anos depois em Santiago do Chile como Museu Integral.

Assim, mesmo, segundo Garcez, “não correspondendo a técnica exigida na perfeita função do verdadeiro Museu” a instituição recebeu vários comentários em âmbito nacional das mais diversas autoridades da área cultural, a exemplo de Drummond, Menotti Del Picchia, Gustavo Barroso, David Carneiro, Fernando de Azevedo e outros que colocam o Museu Sergipano de Arte e Tradição em uma posição de importância na composição do quadro museológico nacional, os quais manifestam votos de apoio ao seu empreendimento em prol do desenvolvimento cultural do estado de Sergipe.

É nesse contexto de grande descaso político com os museus em Sergipe, que Garcez fala para os poderes públicos, chamando atenção para as suas carências, as quais segundo ele impediam que as instituições vivessem “objetivamente a missão e função pedagógica, artística e científica” (GARCEZ, 1958, p.54).

É partindo da luta pela preservação do patrimônio cultural no Estado que José Augusto Garcez dá início a campanha pela construção do Museu Social de Sergipe, contando ainda com o apoio de outros intelectuais, a exemplo de Luis da Câmara Cascudo, que através de correspondências passa a ser um dos principais incentivadores do seu projeto, enviando cartas para autoridades políticas, a exemplo dos Governadores Arnaldo Garcez e Leandro Maynard Maciel em 1958.

A batalha para a implantação do Museu em Sergipe, na ótica de Garcez, é entendida não só pela necessidade da defesa do patrimônio sergipano, mas também pela obrigação do Estado em apoiar tal empreendimento, uma vez que dispunha de recursos necessários para manter um museu que funcionasse de “forma correta” dentro das normas técnicas da Museologia.

Mesmo tendo suas “pretensões frustradas”, como disse Garcez, por não conseguir institucionalizar o Museu Sergipano de Arte e Tradição, transformando-o no Museu Social de Sergipe, José Augusto Garcez conseguiu na prática fazer com que seu museu exercesse a função social em favor do desenvolvimento sociocultural do Estado. Garcez conseguiu impulsionar ainda a necessidade de um “organismo vivo” e a sua importância de servir a toda população para a construção de um conhecimento necessário em prol da valorização do patrimônio sergipano.

Coincidência ou não, um ano após Garcez publicar sua obra de análise crítica “Realidade e destino dos Museus”, em 1958, também uma espécie de diário de sua batalha em prol da criação de um museu para Sergipe, começa-se a ser apresentado o Museu de História e Arte Popular, em 1959.

Mas foi no ano seguinte no dia 05 de maço de 1960, ainda no Governo de Luiz Garcia, que foi inaugurado o Museu Histórico de Sergipe, estando a frente do seu projeto Junot Silveira, então secretário do Governador.
Mesmo José Augusto Garcez não estando diretamente ligado a criação do MHSE, no que tange ao seu projeto, obviamente por retaliação política, não resta dúvidas da sua contribuição para a realização da primeira ação museológica efetiva do Estado de Sergipe.





Foto:http://prefeiturasc.blogspot.com.br/


Anos mais tarde, por ironia de mnemosine, na década de 1970, parte do acervo do Museu Sergipano de Arte e Tradição foi vendida para o Estado, passando a compor não só o rico acervo do Museu Histórico de Sergipe, como também de outros museus sergipanos. Não só isso, mais do que o acervo, Garcez deixou de legado para o MHSE a importância de somar memória e criatividade em prol da mudança social.

REFERÊNCIAS

CASCUDO, Câmara. Em Sergipe del Rey – Movimento Cultural de Sergipe, 1953.

FRAGATA, Thiago; SANTOS, Cláudio de Jesus. Cinquentenário do Museu Histórico de Sergipe: os pioneiros (II). Jornal da Cidade, Aracaju, p. 11 - 11, 04 abr. 2010.

GARCEZ, José Augusto. Realidade e Destino dos Museus. Aracaju. Livraria Regina, 1958.

LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus Acolhem Moderno. São Paulo. Editora da Universidade Federal de Sergipe, 1999.

SANTOS, Cláudio de Jesus. Era uma casa, era um museu: José Augusto Garcez e a formação do pensamento museológico sergipano.2011. 72f. Monografia. – Núcleo de Museologia - UFS. Sergipe, 2011.

_____. José Augusto Garcez e a Museologia Social em Sergipe. CIMFORM, Aracaju, p. 2 - 2, 29 nov. 2010.

_____. José Augusto Garcez, precursor da Museologia Sergipana. Jornal da Cidade, Aracaju, p. 08-08, 01 jun. 2009.

CINQUENTENÁRIO DO MUSEU HISTÓRICO DE SERGIPE: OS PIONEIROS (II)*




Thiago Fragata**

Cláudio de Jesus Santos**


Os 50 anos do Museu Histórico de Sergipe festejado em março não olvida os antecedentes. O Museu de História e Arte Popular, como foi anunciado em agosto de 1959, por Junot Silveira, lembrava o Museu Sergipano de Arte e Tradição criado por José Augusto Garcez em 1948.(1) Neste tópico falaremos do pioneirismo deste e de outros pesquisadores que influíram direta ou indiretamente na concepção do Museu Histórico de Sergipe.

José Augusto Garcez nasceu em 1918, na Usina Escurial, em São Cristóvão. Iniciou seus estudos secundários no Colégio Tobias Barreto, concluindo no Colégio Maristas, em Salvador. Mais tarde, ainda na Bahia, iniciou o Curso de Direito, que, por motivos de saúde, não chegou a concluir. Aos 20 anos o sancristovense era colaborador em jornais de Sergipe, Rio de Janeiro e São Paulo. Imbuído do desejo de musealizar as raízes culturais de Sergipe, José Augusto Garcez fundou, em 1948, e manteve com recursos próprios, o Museu Sergipano de Arte e Tradição, o qual foi detentor de um grande acervo referente à cultura material de Sergipe, resultado de coletas feitas em suas viagens pelo interior do Estado. A partir de suas ações museológicas, Sergipe passa a se destacar no quadro da museologia nacional, acompanhando o período de efervescência do surgimento dos Museus de Arte Moderna.(2)

No Museu de Arte e Tradição o intelectual preservou, pesquisou e comunicou o patrimônio salvaguardado. Mesmo funcionando em um espaço inapropriado, o que limitava a expografia e dava um aspecto de grande reserva técnica ou depósito, a instituição cumpriu suas funções museais, conferindo-lhe destaque diante de sua funcionalidade e sendo bastante visitado.

Atuando em vários planos da Museologia, Garcez foi da prática à teoria com o seu livro Realidade e Destino dos Museus, de 1958, sendo o responsável por uma obra pioneira de análise crítica-comparativa das primeiras instituições museológicas do Estado. Diante do exposto, não havia como conceber o Museu de História e Arte Popular, em 1959, que se concretizaria no ano seguinte com o nome de Museu de Sergipe.(3)

Dois nomes influenciaram na escolha do antigo Palácio Provincial de São Cristóvão para sediar a instituição museal: José Calasans Brandão da Silva e Lauro Barreto Fontes. O primeiro nascido em Aracaju (1915), professor, folclorista e renomado historiador da História de Aracaju e da Guerra de Canudos. O papel de José Calasans como primeiro agente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe foi relegado pelos pesquisadores da sua vida e obra, daí a grande dificuldade para escrever esse parágrafo. Somente numa entrevista concedida na Videoteca Aperipê Memória (TV Aperipê), em dezembro de 1993, Calasans depõe que junto com o engenheiro Lauro Barreto Fontes foi responsável “na preparação daquele museu de São Cristóvão”. Ele esclarece que parte do acervo que recolheu para o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe foi doado para compor a instituição. Em seguida o entrevistado afirma: “foi uma sugestão, de certo ponto, minha que levou o Luís Garcia a fazer àquele Museu”.

O engenheiro Lauro Barreto Fontes era, coincidentemente, agente do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe a época da inauguração do Museu de Sergipe. A partir de um apelo seu e do amigo José Calasans junto ao Governador de Sergipe Luis Garcia, em Ondina, Salvador, nos idos de fevereiro ou março de 1959, este se convenceu a abraçar a idéia.(4) Do encontro saíram Luis Garcia e seu Secretário de Governo, Junot Silveira, convencidos da importância e viabilidade do projeto sugerido pelos conterrâneos.

Naquele ano(1959), enquanto os jornais sergipanos anunciavam o futuro Museu, Maria Thetis Nunes concluía o curso de Museologia, no Museu Imperial do Rio de Janeiro, como aluna de Gustavo Dodt Barroso, considerado o “Pai da Museologia Brasileira”.(5) Embora a professora Thetis, como era conhecida, não tenha desenvolvido trabalhos na área - ela faleceu em setembro de 2009 e sequer foi pegar diploma - o jornal A Cruzada chegou a anunciá-la como diretora do Museu Histórico de Sergipe. Receber agradecimento de Junot Silveira, no dia da inauguração do Museu Histórico de Sergipe (3/5/1960), endossa sua participação na obra.

O próximo artigo será dedicado a Jenner Augusto. Focaremos sua vida, arte e o desafio de organizar o Museu Histórico de Sergipe. Até porque não há como falar do passado e presente desse museu sem considerar a determinação, a sensibilidade e o amor que o artista aracajuano tinha pela instituição.

* Artigo publicado JORNAL DA CIDADE. Aracaju, ano XXXIX, n. 11314, 4 e 5/4/2010, p. B11.

** Thiago Fragata é poeta, professor especialista em História Cultural, (UFS) sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS). E-mail: thiagofragata@gmail.com

**Claudio de Jesus Santos é graduando em Museologia (UFS).

1 - São Cristóvão, sede do Museu de Arte Popular. Correio de Aracaju. Aracaju, ano LII. N. 6272, 29/08/1959, p. 4.

2 - LOURENÇO. Museus acolhem Moderno. Caderno EDUFS, 1999, p.89.

3 - SANTOS, Cláudio de Jesus. José Augusto Garcez, precursor da museologia sergipana. Jornal da Cidade. Aracaju, 1/6/2009, p. B6.

4 - SILVEIRA, Junot. O Museu de Sergipe. A Tarde. Salvador, 27/2/1994, p. 5.

5 - FRAGATA, Thiago. Thetis Nunes, museóloga sim! Divirta-se. Aracaju, ano 1, n. 6, nov. 2009,

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

DA BIBLIOTECA PROVINCIAL AO MUSEU SERGIPANO DE ARTE E TRADIÇÃO: ALGUMAS NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO EM SERGIPE


Cláudio de Jesus Santos

RESUMO: O presente estudo tem como objetivo tecer uma reflexão acerca da formação do pensamento museológico sergipano, entre meados do século XIX e XX, iniciando com a criação da Biblioteca Provincial em 1848, até a criação do Museu Sergipano de Arte e Tradição, em 1948. Para alcançar os objetivos propostos, foi feito uso de um recurso metodológico fundamentado na pesquisa bibliográfica e documental, desenvolvendo também a interdisciplinaridade proposta pela própria Museologia estabelecendo um diálogo com outras disciplinas que dão sustentação a discussão proposta. Através do estudo pode-se concluir que as ações a formação do pensamento museológico pode ser compreendido em três grandes momentos, estabelecidos como pontos fulcrais para se pensar a memória da Museologia constituída em Sergipe.

Palavras-chaves: Museologia, Sergipe, Pensamento Museológico e Museu.

INTRODUÇÃO

Mais recentemente, no Brasil, o fenômeno da Museologia vem sendo analisado através de trabalhos mais densos, problematizando e refletindo sobre vários questionamentos teóricos ligados a recuperação da memória museológica no Brasil. É com esse intuito, a fim de contribuir para a recuperação da memória da Museologia em Sergipe, que elaboramos o presente artigo. Fruto do Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em 2011/1, intitulado “Era uma casa, Era um museu: a formação do pensamento museológico social sergipano em José Augusto Garcez (1948 – 1992)” o texto trata-se de uma adaptação dos capítulos I (Antecedentes museais) e II (Entre os retratos e a mobília de família).

Para alcançarmos os objetivos propostos, foi feito uso de um recurso metodológico fundamentado na pesquisa bibliográfica e documental realizada em alguns órgãos, a exemplo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Arquivo do Memorial de Sergipe (UNIT) e no Instituto Pesquise do Professor Luiz Antônio Barreto.

Quanto a sua estrutura, para uma melhor compreensão das ideias, dividimos o texto em três partes, entre elas, 1.1 A Bibliotheca Provincial e o embrião dos primeiros fazeres museológicos em Sergipe, definido aqui, como o primeiro momento do pensamento museologico sergipano; 1.2 O Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e a inserção do Estado no cenário museológico nacional, definido como o segundo momento, em 1912; seguido da seção 1.3 Na Casa de Laranjeiras... O Museu Histórico Horácio Hora; Finalizando com a seção 1.4 Entre os retratos e a mobília de família: o Museu Sergipano de Arte e Tradição, destacado como o terceiro grande momento.

Por fim serão feitas algumas considerações sobre o desenvolvimento do trabalho e a sua contribuição para a ampliação do entendimento acerca do campo museológico sergipano.

1.1 A Bibliotheca Provincial e o embrião dos primeiros fazeres museológicos em Sergipe

A importância dos museus, origem das bibliotecas, é incontestável. Epifânio Dória, 1931.

Com certeza ao fazer a afirmação, ressaltada na epigrafe acima, Epifânio Dória estava se referindo ao Museu de Alexandria, responsável por abrigar uma grande coleção de papirus e outros escritos, que deram origem a biblioteca internacional idealizada por Alexandre. É assim que o bibliotecário faz a introdução do seu relatório, ao falar das condições do então museu abrigado na Biblioteca Pública do Estado, em 1931, a qual também utilizamos aqui para falar da formação do pensamento museológico sergipano, que tem as suas bases lançadas por essa instituição. Indo em direção a afirmação feita por Epifânio Dória, sobre a importante relação, constituída historicamente, entre a biblioteca e o museu, vem a ser na visão de Waldisa Russio (1988) um dos principais marcos, sendo este o primeiro, quando abordamos a evolução do conceito de museus. Segundo a autora, o Museu de Alexandria, pode ser considerado como um modelo representativo do museu na Antiguidade, responsável pela grande ruptura entre o museu sagrado e o científico. Em Sergipe, se tratando dos marcos de importância para a formação e desenvolvimento do seu pensamento, podemos buscar na Bibliotheca Provincial as origens dos primeiros fazeres museológicos, mesmo que rudimentar, baseados nos moldes de outros museus brasileiros surgidos até meados do século XIX. Tendo sua proposta de criação apresentada a Assembléia Provincial, em 1848, pelo laranjeirense Martinho de Freitas Garcez, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, a Biblioteca pública de Sergipe foi sancionada no dia 16 de junho do mesmo ano, através da Lei de número 233, pelo presidente de província Zacharias de Góes e Vasconcellos, sendo estabelecida da seguinte forma: Art. 1 Fica creada na capital desta província uma Bibliotheca com a denominação de – Bibliotheca Publica Provincial – que constará de obras antigas e modernas em todos os ramos de conhecimentos humanos, escolhidas e das melhores edições. Art. 3 A Bibliotheca poderá ser colocada em um dos conventos desta cidade, onde melhor parecer ao Governo. Art. 6 Na Bibliotheca haverá uma secção denominada – Arquivo –, que será destinada: – 1 Para originaes, ou copias de mappas e relações estasticas; 2 Para originaes, ou copias de quaesquer papeis do Governo Geral, ou provincial, cuja guarda no Arquivo se julgar conveniente, e para noticias de acontecimentos agradaveis ou desastrosos, provenientes de cousas naturaes; 3°. Para noticias de descobertas úteis de produtos da História natural, mineralogia e botânica, bem assim para originais de memórias remettidas ao Governo da Província para serem oferecidas á Bibliotheca, e que disserem respeito á história della e do Império do augmento e progresso da agricultura, comercio, navegação, industria, sciencias e artes (grifo meu). O secretario desta província faça imprimir, publicar e correr. Palácio do Governo de Sergipe, aos 16 de junho de 1848 da Independência e do Imperio. Como podemos observar, na organização da Biblioteca, apesar da sessão descrita no artigo 6, ser apresentada como Arquivo, suas funções iam além do simples recolhimento de documentos produzidos pela administração da província, a qual seria sua função típica nesse período. Aproximando-se mais do papel exercido pelos gabinetes-museus, típicos do final dos séculos XVIII e XIX (LOPES, 1997), sinalizando que se inseriam no contexto dos museus, a sua época, com a função de documentar, preservar e divulgar as “descobertas úteis de produtos da História natural, mineralogia e botânica, (...) e que disserem respeito à (...)sciencias e artes” abrindo um precedente para a reunir um acervo museológico, passando a dividir o espaço com o acervo bibliográfico. Com isso, podemos enxergar na criação da Biblioteca, mais especificamente no arquivo, o núcleo que deu início aos fazeres museológicos, recolhendo, documentando e preservando o patrimônio natural e artístico sergipano. Tal secção pode também ser entendida como uma forma de suprir algumas das carências culturais da província sergipana, algo possível na visão de “um homem influenciado e entusiasmado pelo “desenvolvimento intelectual e cultural de Pernambuco” (SANTOS, 1984, p. 26), responsável pela elaboração do seu projeto. Apesar de ter sido criada em 1848 a Biblioteca foi inaugurada apenas em 1851 num dos Salões do Convento São Francisco, em São Cristóvão, permanecendo com o seu funcionamento até 1855, ano em que teve seu acervo encaixotado e transferido para a nova capital Aracaju, passando a funcionar de forma precária na Assembléia Provincial, sendo esse um dos fatores responsáveis por ocasionar o seu encerramento (DÓRIA, 1911). Com o advento da República, em 1889, estando Felisbello Firmo de Oliveira Freire como governador, a Biblioteca volta a funcionar através do decreto de 27 de março de 1890, só que com uma função a mais, dessa vez de forma enfática, sendo responsável por ressaltar e desenvolver as atividades de cunho museológico, avaliando que (...) tendo em vista a alta conveniência de disseminar a instrucção por todas as camadas sociaes, e considerando: que ao lado da creação de escholas, deve haver a instituição de bibliothecas onde a população possa encontrar gratuitamente as obras de que careça consultar; que essa medida é de real vantagem para despertar o gosto pelo estudo, máxime entre as classes pobres, que, por falta de recursos, vêem-se privadas de obter conhecimentos de que necessita; que, no regimen a que actualmente obedéce o paiz é de estricta obrigação do governo empregar todos os meios, àfim de levar instrução ao povo, habitando-o assim ao conhecimento completo de todos os seus deveres e direitos; que isto sómente se póde conseguir por meio da eschola e das instituições auxiliares, taes como bibliothecas, museus; que este Estado resente de falta dessas instituições, que tão poderosamente inflùem no desenvolvimento moral e material de qualquer povo; São por meio dessas considerações, destacando a necessidade de órgãos culturais a exemplo de um museu, sentidas pelos sergipanos ao longo de quase quatro décadas, desde a criação da Biblioteca Provincial que podemos perceber, de forma embrionária, a presença do pensamento museológico o qual passava a tomar forma, com a sua institucionalização, estabelecendo-os da seguinte forma: Art. I Fica creada, nesta capital, uma biblioteca pública e á ella annexa um museu, que constará das seguintes secções: Geologia e paleontologia; Mineralogia; Zoologia; Anthropologia. Art. 2. Na biblioteca e museu haverá o pessoal constante do Regulamento que baixa para a execução deste decreto. Art. 3. Revogam-se as disposições em contrário. Cumpra-se e comunique-se. Palácio do Governo do Estado Federado de Sergipe, 27 de março de 18903. Com a criação da Biblioteca-museu, inaugurada em 13 de agosto do mesmo ano, o então Governador contratou seus primeiros funcionários, os quais passaram a ocupar os cargos de bibliotecário e conservador, funções exercidas respectivamente pelo Bacharel Josino Meneses e Antônio de Carvalho4. Em conseqüência da exoneração do bibliotecário, o conservador passou a acumular as duas funções, uma situação muito comum para a época, uma vez que “o livro na biblioteca e o objeto no museu foram durante muito tempo recolhidos, armazenados e preservados por um conservador, com o fim único da preservação patrimonial” (LE COADIC, 2004, p. 12). Mesmo passando por diversas dificuldades enfrentadas para o seu funcionamento, a biblioteca conseguiu manter em sua estrutura o museu, ainda que não estivesse organizado da forma como foi planejado, sendo na visão do bibliotecário Epifânio Dória uma situação própria do Estado, o qual segundo ele institui “coisas que para cuja manutenção (...) falta quase tudo, desde os recursos financeiros aos técnicos que as dirijam” (DÓRIA, 1959, p.01-02). Apesar das mudanças em sua estrutura organizacional, ao longo do tempo, a Biblioteca pública chega a década de 30 com algumas coleções de acentuada importância pertencendo ao museu (DÓRIA, 1918, 1932), um acervo resultante dos seus fazeres museológicos, instituídos desde meados dos oitocentos. É dessa forma que Biblioteca da o seu primeiro passo no que tange a expansão e estímulo para o exercício da Museologia no Estado, lançando os seus alicerces, sob o qual será erguido o mais antigo museu de Sergipe ainda em funcionamento. 1.2 O Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e a inserção do Estado no cenário museológico nacional Após a iniciativa pioneira, incursionada pela Biblioteca Provincial no universo museal sergipano, a qual ganha forma no período republicano com a Biblioteca-museu, surge o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), responsável por inserir o estado no cenário museológico nacional. Sendo uma instituição congênere do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) nascido em 1838, o IHGSE tem seu nascimento no dia 6 de agosto de 1912, no bojo da intelectualidade sergipana, com o propósito de: Verificar, coligir, arquivar e publicar os documentos, memórias e crônicas relativas às datas históricas, à distribuição geográfica, às curiosidades arqueológicas, ao folclore, etnografia e língua dos indígenas e a tudo que possa concorrer para a História do Brasil e, especialmente de Sergipe (SANTOS, 1984, p. 10) Conhecida também como “a casa de Sergipe”, a Instituto Histórico e Geográfico teve seu projeto idealizado por Florentino Menezes, que juntamente com intelectuais, a exemplo de Prado Sampaio, Manuel Cabral Barreto Neto, João da Silva Melo e outros sinalizaram através da sua organização a “maturação do corpo intelectual do Estado, bem como da consciência do papel interventor dos homens de pensamento nos problemas sociais, políticos e econômicos que afligiam Sergipe” (FREITAS, 2002, p. 14-15), no qual acrescentamos e ressaltamos, também, os de ordem cultural. É dentro desse contexto, na estrutura do IHGSE, que nasce o “esboço” do que seria o atual museu Galdino Bicho (Figura 5). Apesar do surgimento da unidade museal, é preciso deixar claro que Sergipe não é inserido no cenário museológico nacional pela atuação do museu em si, mas sim, pela dinâmica do conjunto das atividades dos seus outros organismos a exemplo do arquivo, da hemeroteca, e da biblioteca, uma vez que as funções do museu em si eram quase que inexistentes. Estando até a década de 50 organizado da seguinte forma: As peças existentes no MUSEU incorporado ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, abrangem duas áreas, sendo uma sala no térreo e um salão no segundo andar. A primeira e principal está situada no térreo da aludida instalação, estando com os objetos arrumados, não atendendo ainda as regras e princípios técnicos. Parte dos objetos estão colocados em peças isoladas e inadequadas, raros objetos trazem etiqueta. Não há salas especiais para exposições, necessário serviço de classificação, livro de visitas, jetões para controle de visitantes, exposições temporárias e comemorativas, estatuto, fichário nem catálogo descritivo. Observamos objetos de variadas espécies sem defesa de valorização. Quanto ao “efeito estético da colocação dos objetos” [a museografia], não é conveniente. Não há renovação nas exposições cuja sala permanece fechada, medida usada contra os atentados por falta de funcionários. Na sala do segundo andar, todo acervo encontra-se disperso, não existindo etiquetas, arrumação, bem assim, meios propícios de defesa contra os estragos do tempo, tudo o que seja de acordo com os princípios técnicos modernos (GARCEZ, 1958, p.38). Mesmo com o estabelecimento do museu podemos perceber que Sergipe ficou por muito tempo numa espécie de “inércia museológica”, algo resultante da quase inexistência das atividades museais, ocasionada pela forte deficiência do museu. Mas, em compensação, a atuação do IHGSE, é de um feito benéfico sem precedentes na preservação do patrimônio histórico e cultural da memória sergipana, estimulando a criação de outras “casas de memória” em Sergipe. 1.3 Na Casa de Laranjeiras... O Museu Histórico Horácio Hora Ficando conhecida nacionalmente como “Museu à céu aberto”, uma referência feita pelo Ministro da Educação Jarbas Passarinho, em visita a cidade no ano de 1972, o município de Laranjeiras ganha seu primeiro museu na década de 40, vindo a compor com o IHGSE as duas primeiras instituições museológicas oficiais do estado. Criado por meio do decreto n. 31 de 16 de maio de 1942, pelo então prefeito Francisco Alberto Bragança de Azevedo, o Museu Histórico Horácio Hora encontrava-se localizado na Rua Coronel Freitas, nº. 19 e ocupava um dos salões da recém criada Casa de Laranjeiras. Tal instituição nasce com o objetivo de expor a história do município e reabri-la, nas palavras de Carvalho Neto, para os “olhos curiosos dos contemporâneos, orgulhosa de ter um passado, de ter uma história e de ter o que contar...” (NETO, 1943, p. 48). Dentro da Casa de Laranjeiras, além do museu, funcionava ainda: Exposição Permanente de Produtos do Município, a Biblioteca Moreira Guimarães (...), a Escola Municipal Ovídio Manaia (diurna), a Escola Municipal Siqueira Campos (noturna) a Agência Municipal de Estatística e o Diretório Municipal de Geografia (GARCEZ, 1958, p. 45) Apesar de ser um centro cultural de acentuada importância na cidade, a instituição não recebeu maiores cuidados pela administração pública, pelo menos no que se refere ao museu, o qual, segundo José Augusto Garcez, só foi organizado e conservado na época em que estava a frente o prefeito responsável pela sua fundação (GARCEZ, 1958, p. 42). Quanto a sua situação em meados da década de 50, a instituição se encontrava da seguinte maneira: Compreendia o Museu apenas uma sala com o acervo espalhado sobre o assoalho e paredes. Não havia arrumação, organização peças destinadas a proteção dos objetos, etiquetas nem catálogos descritivos. Mencionado Museu não possuía direção, apenas uma funcionária incompetente, não preserva os objetos das intempéries. Não havia livro de visitas, pois, não existia freqüência em face de permanecer fechado. O município responde pela manutenção desta entidade. Os prefeitos jamais zelaram pelo patrimônio vinculado à administração. (...) nada obstante sempre foi desprovido de tudo aquilo atinente à perfeita técnica museológica (GARCEZ, 1958, p.42) Complementando com a opinião de Gustavo Barroso, Garcez ressalta: Este museu que se tornou apenas “custódia de objetos” sem nenhuma finalidade educativa, com as portas cerradas ao público, bem poderia constituir um “necrotério de relíquias” na expressão do mestre Gustavo Barroso. É lastimável que o município não zele por um Museu que traz na legenda o nome tradicional do nosso maior pintor, saudosa figura de projeção internacional, porque, na França eterna, recebeu lauréis e honrou o nosso glorioso Estado (GARCEZ, 1958, p. 45). Era nessa situação, de extrema fragilidade, que se encontrava o Museu Histórico Horácio Hora, compondo juntamente com o museu do Instituto Histórico e Geográfico o cenário museológico sergipano. É dentro desse contexto que surge o Museu Sergipano de Arte e Tradição, evidenciado pelas práticas de José Augusto Garcez5 (1918-1992), colocado aqui como um divisor de águas dos fazeres museológicos em Sergipe, o qual será explorado no mais adiante. 1.4 Entre os retratos e a mobília de família: o Museu Sergipano de Arte e Tradição “O Museu (...), em sua própria casa é criação de seu pensamento, voltado sempre para a conservação do que o passado produziu. E não somente o passado é objeto de suas cogitações. O presente já está no seu Museu, ponto de convergência dos que vão a Sergipe.” (Padre Milton Santana, 1958). Partindo dessa observação, feita pelo Padre Milton Santana, é que ressaltamos um dos principais aspectos responsáveis pela criação do Museu Sergipano de Arte e Tradição, o pensamento de Garcez, ou seja, sua imaginação museal, a qual segundo Mário Chagas “não é privilégio de alguns, mas para acionar o dispositivo que a põe em movimento, é necessário uma aliança com as musas”... (CHAGAS, 2009, p.58). A aliança com as musas, da qual fala o autor, pode ser interpretada como uma necessidade de se ter uma ligação com as práticas museológicas necessárias para o desenvolvimento da imaginação. É assim, então, no ambiente familiar, numa relação de intimidade com esse universo museal que é ampliado o entendimento acerca do pensamento museológico em Sergipe. Tendo seu projeto iniciado no final da década de 40, mais precisamente em 1946, Garcez inicia a formação de sua coleção, reunida a partir de suas viagens pelo interior do Estado de Sergipe, é nesse contexto que surge o Museu Sergipano de Arte e Tradição, fundado oficialmente no ano de 1948, o qual mantinha em sua origem o pensamento do movimento modernista, ainda muito presente na primeira metade do século XX. Um pensamento baseado no ideal da preservação do popular, do tradicional, na qual segundo os modernistas estava contida a verdadeira cultura brasileira, pois estava longe da elite e consequentemente do que era estrangeiro (NOGUEIRA, 2005). Assim foi pensado o museu criado por José Augusto Garcez, com o intuito de musealizar a cultura popular sergipana através do patrimônio histórico cultural pertencente ao Estado, a fim de inserir Sergipe nesse projeto de modernidade cultural. Até então, mesmo possuindo dois museus, o Museu do IHGSE em Aracaju e o Museu Histórico Horácio Hora em Laranjeiras, Sergipe permaneceu por quase quatro décadas numa espécie de “inércia museológica”, uma situação que veio ser sanada com a atitude de Garcez após fundar o museu em sua casa. De acordo com Maria Lourenço é, justamente nesse período, no qual surge o Museu de Arte e Tradição, que “Museu pouco mais é que improviso, ação entre amigos e vôo cego quanto a sua permanência e continuidade” (LOURENÇO, 1999, p.21). A autora fala justamente da falta de apoio do poder público para a criação de museus, ficando sua criação nas mãos de sujeitos preocupados com a preservação do patrimônio e da memória. De fato é bem verdade, pois como declara Garcez, ele adquiriu com recursos próprios o seu acervo, e o manteve dentro de suas possibilidades sem receber apoio, o qual julgava ser indispensável para o melhor funcionamento da instituição. José Augusto Garcez ainda justifica a necessidade da criação do Museu em virtude da constante exportação dos bens patrimoniais, algo que acontecia, segundo ele, em parte pelo descaso do próprio Estado (GARCEZ, 1958). Agindo como um verdadeiro mecenas6, Garcez fez parte de uma frente intelectual preocupada com a cultura museal dando abrigo literalmente ao patrimônio sergipano em sua casa, é assim que surge a primeira instituição museológica que da inicio ao processo de salvaguarda, preservação, pesquisa e comunicação. A partir das suas ações museológicas Sergipe passa a ter mais destaque no quadro da museologia nacional, acompanhando o período de efervescência do surgimento dos Museus de Arte Moderna. Como compreende Lourenço, “nem todos são chamados de Museu de Arte (...). Outros contêm em sua denominação Museu de Arte e Tradição, como os do Estado do Sergipe, sediados em Aracaju (19487) e na cidade de Itaporanga D’Ajuda” (1999, p.89). Através da citação da autora podemos perceber a importância do museu criado por Garcez para a composição do cenário museológico sergipano, na década de 40, podendo ser percebido também como um elemento de ruptura para a renovação da Museologia no Estado, que passa a ganhar um novo modelo de museu. Vejamos como estava organizado o Museu Sergipano de Arte e Tradição, segundo seu próprio fundador, que o descreve em sua obra museológica, “Folclore: Realidade e Destino dos Museus” (1958 p.33-35). Endereço-Avenida Barão de Maruim, 629 – Caixa Postal, 83. Distrito- Aracaju- Estado de Sergipe BRASIL. Entidade mantenedora - José Augusto Garcez. Direção - José Augusto Garcez. Natureza - Particular. Características - O Museu é autônomo, de caráter geral, franqueado diariamente ao público, com admissão gratuita do visitante, variando o número anualmente de 800 a 2.000 pessoas. Não há horário estabelecido, porque está vinculado na própria mansão residencial, sendo o público atendido pelo proprietário, sua família e empregados. Observações- a) Mencionado órgão foi organizado com recursos próprios, não recebendo até hoje [1958] nenhum auxílio dos poderes públicos. b) A casa é alugada, não correspondendo a técnica exigida na perfeita função do verdadeiro Museu. c) Todavia, animado pelo idealismo e os conhecimentos de museologia, quanto a organização, arrumação, catalogação, restauração de objetos, venho realizando de acordo com os nossos recursos. Por falta de auxílio de poderes públicos ainda não dispomos de funcionários competentes e técnicos a fim de transformar a casa da História atuante na sua ação educativa e social. d) Realizo pesquisas com sacrifícios e recursos próprios no que se refere a paleontologia, etnologia e Arte Popular. e) Possuímos: A - Achados referentes à Paleontologia (fósseis de Mastodonte e Megatherium) e de outros animais. B - Objetos que representam a etnologia brasileira. Aquisições- C - Arte Sacra: - imagens em madeira, terra-cota, porcelana, gesso, cera, bronze. Sinos, peças barrocas, etc. D - Arte popular em geral, inclusive artesanato. Especificação do material: terracota, couro, barro comum, chifres, sisal, osso, cipó, palhinha, taquara, tucum, fio, caroá, coco, flecha, etc. E - Armaria: - pistolas, armas brancas, lanças, trabucos, fuzis, rifles, garruchas e espadas. Máquinas de guerra: - canhões e balas. F - Instrumento de Tortura- tronco. G - Ciclo do Cangaceiro: Embornais de pano e couro, cantil, chapéu e punhais que pertenceram aos bandidos: José Baiano e Lampião. H - Ciclo da Escravidão- peças e documentos. I – Iconografia: Imagens e quadros. J - Animais paquidermazados. K- Antropologia Cultural. Empreendimento: - Em 1957, na campanha Internacional de Museus – apesar de não receber revistas, cartazes, indispensável colaboração publicitária nem auxilio do ICOM - inaugurei a secção de Antropologia Cultural, exposição interna e na Livraria Regina Limitada. Livro em preparo: Função do Museu no sistema educacional brasileiro, devidamente ilustrado. Mantenho a dez anos através do PRJ-6 o Programa radiofônico PANORAMA CULTURAL, aonde existe uma secção sobre a missão dos Museus. Serviço de Documentação:- Por carência de espaço, não possuímos sala de reserva ao público. Toda residência é ocupada com o acervo. Mantemos uma biblioteca de assuntos ge variando o número anualmente de 800 a 2.000 pessoas. rais. Em 1953 introduzi em Sergipe “literatura falada” com o Serviço de Documentação do “Movimento Cultural de Sergipe”. Editei 33 vols. sobre economia, poesia, finanças, sociologia e Museu. Para a publicação de aludidas obras, contei com a colaboração de alguns patriotas. Visitas guiadas:- Aos visitantes esclareço a origem do acervo, bem assim o aspecto histórico, empenhando esforços a fim de oferecer ao público o sentido primordial que é de colocar o Museu - na missão educativa e social. Mesmo, segundo Garcez, “não correspondendo a técnica exigida na perfeita função do verdadeiro Museu” a instituição recebe vários comentários em âmbito nacional das mais diversas autoridades da área cultural, a exemplo de Drummond, Menotti Del Picchia, Gustavo Barroso, David Carneiro, Fernando de Azevedo e outros que colocam o Museu Sergipano de Arte e Tradição em uma posição de importância na composição do quadro museológico nacional, os quais manifestam votos de apoio ao seu empreendimento em prol do desenvolvimento cultural do estado de Sergipe. Apesar de funcionar em um ambiente inapropriado, como dizia Garcez, “por carência de espaço”, num lugar que limitava as possibilidades na utilização das técnicas expográficas e dava um aspecto de uma grande reserva técnica, pois tudo estava em exposição, o Museu Sergipano de Arte e Tradição conseguiu cumprir as suas funções museológicas de preservação, pesquisa e comunicação, o que lhe dava um destaque entre os demais museus do Estado, diante de sua funcionalidade, sendo bastante visitado, variando anualmente de 800 a 2.000 pessoas. É neste cenário, entre os retratos e a mobília de família, que ocorre o desenvolvimento das pesquisas e estudos da Museologia8 e cultura material sergipana, o que lhe rendeu algumas publicações a exemplo de Holandeses em Sergipe (1954), Canudos Submersos (1956), O destino da Província (1954), Centenário de João Ribeiro (1960) entre outras. Sua casa torna-se, então, um centro irradiador do pensamento e dos novos fazeres museológicos em Sergipe, sendo sua coleção uma chave reveladora para o seu entendimento, através da qual seus estudos construía, reconstruía e desconstruía versões, da cultura sergipana, pautadas no processo da pesquisa museológica. A sua ação gerou, ainda, um reflexo no quadro da museologia sergipana em sua época, ficando também impressa na obra Realidade e Destino dos Museus (1958), a qual pode ser considerada como um manifesto por uma “Museologia consciente”, mais avançada e preocupada com a sua responsabilidade social e com o fazeres museológicos, até então ausentes em Sergipe, os quais podem ser caracterizados pelas ações de preservação, pesquisa e comunicação. Considerações finais Após a incursão pelo campo da Museologia sergipana, através de seus marcos fundamentais, temos a certeza de que muito ainda há por se fazer para chegarmos a uma compreensão plena do pensamento museológico constituído em Sergipe. Mas em se tratando da contribuição do presente artigo para a produção do conhecimento do campo da Museologia em Sergipe, podemos destacar alguns pontos de relevância que acrescentam no entendimento acerca da formação do seu pensamento. No tocante ao estabelecimento de um marco para se pensar a incursão de Sergipe pelo universo da Museologia, podemos estabelecer o século XIX, com a criação da Biblioteca Provincial, como um período chave em que se da o seu fomento, o qual culmina com a criação da Biblioteca-museu criada por Felisbelo Freire. Mesmo não funcionando de forma plena, como foi pensada a Biblioteca, podemos concebê-la como o embrião que deu início a formação do pensamento museológico sergipano, configurando o primeiro grande momento da Museologia em Sergipe. Esta ação gerou um reflexo, para se pensar a necessidade de novos espaços de preservação da memória e do patrimônio de Sergipe, abrindo espaço para a criação do Museu implantado no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, sendo este o segundo grande marco. Após apresentar, no desenvolvimento do trabalho, em que situação se encontrava o cenário museal sergipano até o final da década de 1940, do século XIX, com duas instituições museológicas inativas em suas funções técnicas, como diagnosticou José Augusto Garcez (1958), percebemos que o Museu Sergipano de Arte e Tradição, fundado em sua casa no ano de 1948, foi um dos grandes responsáveis por inserir no Estado mudanças de pensamento na forma de se “fazer e pensar’ museu, dando início as atividades de preservação, pesquisa e comunicação, marcando um período de impulso para a renovação da Museologia sergipana, sendo este o grande terceiro momento. Concluindo, então, o presente texto, podemos estabelecer esses três grandes momentos, como a tríade que contribuiu de forma decisiva para a formação do pensamento museológico sergipano explanado nesse breve texto. BIBLIOGRAFIA CHAGAS, Mário de Souza. A Imaginação Museal: Museu, memória e poder em Gustavo Barroso, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro: MinC/IBRAM, 2009. 258p. FORTES, Bonifácio. Felisbelo Freire: o homem público, o escritor e o constitucionalista. Separata da Revista da Faculdade de Direito de Sergipe – N.5 – AnoV – Divulgação do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju – Sergipe.1958. FREITAS, Itamar. A escrita da História na "Casa de Sergipe" (1913/1999). São Cristóvão: Editora da UFS, 2002. GARCEZ, José Augusto. Realidade e Destino dos Museus. Aracaju. Livraria Regina, 1958. LE COADIC, Yves-François. A ciência da Informação. Tradução de Maria Yêda F.S. de Filgueiras Gomes, Brasília: Briquet de Lemos, 2004. LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo. Editora Hucitec, 1997. LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus Acolhem Moderno. São Paulo. Editora da Universidade Federal de Sergipe, 1999. NOGUEIRA, Antônio Gilberto Ramos. Por um Inventário dos Sentidos: Mário e Andrade e a concepção de patrimônio e inventário. São Paulo. Hucitec: Fapesp, 2005. RÚSSIO, W. G. Museu, museologia, museólogos e formação. Revista de museologia, São Paulo: Instituto de Museologia de São Paulo Fesp/SP; 1(1), p. 7-11, 1989. SANTOS. Pedrinho. Instituições culturas de Sergipe. Aracaju. Vol. I. 1984. SANTOS, Cláudio de Jesus. José Augusto Garcez e a Museologia Social em Sergipe. CIMFORM, Aracaju, p. 2 - 2, 29 nov. 2010; ______. José Augusto Garcez, precursor da Museologia Sergipana. Jornal da Cidade, Aracaju, p. 08-08, 01 jun. 2009. ______.Entre as cartas e bilhetes de José Augusto Garcez: o retrato de um precursor da Museologia sergipana. Sergipe. Disponível em Acesso em: 20 de fev de 2011. _____ Era uma Casa... Era um Museu: A perspectiva Museológica Sergipana na década de 50 do Século XX. Sergipe. Disponível em Acesso em: 20 de fev. 2011 FONTES IMPRESSAS Arquivo do Memorial de Sergipe. Epifânio Dória. Movimento Cultural de Sergipe (Fragmento). S/D (Caixa 03). José Augusto Garcez.Autobiografia (Fragmento). S/D (Caixa 03) José Augusto Garcez.A luta cultural e o complexo provinciano (Fragmento) . S/D (Caixa 03) José Augusto Garcez. Correspondência para Arnaldo Rolemberg.1987. (Caixa 03). Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. O Dr. Felisbelo na Biblioteca. Arquivo do IHGSE. Fundo Epifânio Dória. (CX.465. pc.114). Leis e decretos da Biblioteca. Arquivo do IHGSE. Fundo Epifânio Dória. (CX.466. pc.115). Nota referente a criação da Biblioteca Provincial. Arquivo do IHGSE. Fundo Epifânio Dória. (CX.465. pc.116). Memorial da Biblioteca e do Arquivo (1912). Epifânio Dória. Relatórios da Biblioteca (1911, 1912, 1916, 1917 e 1918). (CX. 465, pc.114) Jornais DORIA, Epifânio. Museus. Sergipe Jornal. Aracaju, n.13.970, 13/01/1959, p. 1 e 2.

terça-feira, 17 de julho de 2012

O MOVIMENTO CULTURAL DE SERGIPE: SOB A ÓTICA DE LUIZ ANTÔNIO BARRETO

APRESENTAÇÃO



Este pequeno texto, publicado aqui em Ensaios Museológicos, trata-se de fragmento do projeto cultural desenvolvido pelo Instituto Pesquise, do escritor Luiz Antônio Barreto, falecido no dia 17 de abril de 2012.

No ano de 2010, época em que ele me presenteou com este artigo estava desenvolvendo o meu trabalho de conclusão do curso de Museologia, “Era uma casa, era um museu: a formação do pensamento museológico social sergipano em José Augusto Garcez”, orientado pela professora Rita Maia. Na ocasião, quando apresentei meu objeto de pesquisa, o professor ficou muito entusiasmado, pois além de ter convivido com Garcez, Luiz Antônio Barreto estava desenvolvendo um projeto de resgate do acervo oral do programa de rádio “Panorama Cultural” – PRJ-6, o qual divulgava as atividades do Museu Sergipano de Arte e Tradição.

Apresento, então, parte da introdução desse projeto, no qual o professor faz um apanhado sobre a importância do Movimento Cultural de Sergipe (MCS), criado em 1953, por Garcez.

O Movimento Cultural teve uma grande repercussão, ultrapassando as fronteiras de Sergipe, e sendo referenciado por intelectuais de renome, a exemplo do poeta Menotti Del Pichia, Câmara Cascudo e outros. Mesmo sem muita ajuda dos poderes institucionais do Governo o MCS conseguiu alcançar números surpreendentes, no que tange a editoração e publicação de livros.

A partir desta análise, de Luiz Antônio Barreto, percebemos a importância não só do Movimento criado por Garcez, como também a importância do seu criador para a articulação das políticas culturais alternativas naquele período.


O Movimento Cultural de Sergipe por Luiz Antônio Barreto

Sergipe conquistou um lugar destacado na inteligência brasileira, graças as contribuições de filhos ilustres da terra, como Tobias Barreto, Silvio Romero, Fausto Cardoso, Laudelino Freire, Felisbelo Freire, João Ribeiro, Jackson de Figueiredo, Manoel Bomfim, Hermes Fontes, José Calazans, Mário Cabral, dentre outros escritores, que ajudaram na formação e compreensão da cultura brasileira.

Tais vultos, na sua maioria, viveram fora de Sergipe. A geração que permaneceu na terra, liderada pelo Gumercindo Bessa, e contando com Clodomir Silva, Prado Sampaio, Manoel dos Passos de Oliveira Teles, Florentino Menezes, Elias Montalvão, e outros, não contou com as mesmas oportunidades de divulgação dos seus trabalhos.

Nos anos de 1940, um grupo composto por Orlando Dantas, Garcia Moreno, José Calasans, Jorge Neto, Marcos Ferreira, Fernando Porto, Urbano Neto, criou e instalou o Centro de Estudos Econômicos e Sociais de Sergipe, com o objetivo de estudar e debater os problemas do Estado, editando livros que servissem ao esclarecimento das variadas questões do tempo. Alguns livros foram, então, editados, destacando-se: O problema açucareiro, de Orlando Dantas, e Aracaju, de Fernando Porto.

Somente nos anos de 1950, contudo, é que surgiu o Movimento Cultural de Sergipe, para servir de editora e autores locais. Fundado e dirigido por José Augusto Garcez (1918-1992), o MCS patrocinou o aparecimento de autores que marcaram a vida literária sergipana, como o poeta Santo Souza, a poetisa e romancista Giselda Morais, lançou as obras de José Sampaio – Nós acendemos as nossas estrelas e Obras completas -, além dos livros do professor Florentino Menezes, do magistrado José Bezerra e do próprio José Augusto Garcez.
Mais do que editar livros e autores locais, José Augusto Garcez fez um amplo e eficiente trabalho de divulgação, fora do Estado, concorrendo para que seus editados fossem conhecidos no resto do país. O Movimento Cultural de Sergipe não ficava somente nas edições de livros, quase duas dezenas somente em 1954, pois mantinha programas radiofônicos, literários, difundindo poesia e prosa locais.

A fase áurea do Movimento Cultural de Sergipe correspondeu ao Governo de Arnaldo Rollemberg Garcez, casado com D. Maria Augusta Garcez, irmã de José Augusto Garcez. O apoio governamental garantiu o volume de edições e bem assim as demais ações culturais empreendidas por José Augusto Garcez, como a Biblioteca Tobias Barreto e um Museu de História, ambos instalados em sua residência, a rua de Estância, em Aracaju e em casa para tal fim adaptada, em Itaporanga.

A importância do Movimento Cultural de Sergipe e o papel exercido pelo seu criador, bem como levantar obras e autores ligados ao MCS, conduz a um projeto plenamente justificado, pelos efeitos positivos em favor do conhecimento de um esforço local e de uma produção intelectual, em amplos campos de investigação. Mais de meio século depois, as obras editadas pelo Movimento Cultural de Sergipe ainda repercutem e seus principais autores são, ainda hoje, nomes acreditados da história cultural de Sergipe.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A MUSEALIZAÇÃO DO ILÊ AXÉ ALEKETU OYÁ BALÉ CABOCLO GONGOMBIRA: PRESERVANDO E VALORIZANDO O PATRIMÔNIO CULTURAL AFRO-BRASILEIRO DE SERGIPE

1. INTRODUÇÃO


(Entrada principal do Ilê)

Caminhando em direção a possibilidade de se pensar novas formas de preservar o patrimônio cultural afro-brasileiro de Sergipe é que o presente trabalho foi desenvolvido, a fim de apresentar o projeto de musealização do Ilé Asé Aláketú Oyá Balé Caboclo Gongombira e os seus significados coletivos.

Utilizando a revisão bibliográfica como recurso metodológico o artigo está fundamento com alguns dos conceitos trabalhados no campo do conhecimento museológico, privilegiando uma ação dialógica com a Antropologia. Dentro desta perspectiva o trabalho tem ainda como foco analisar os espaços religiosos de matrizes africanas e as suas novas formas de expressão, que são utilizadas em beneficio do fortalecimento de sua identidade étnica.

Para o ordenamento de sua discussão o texto está estruturado em três partes principais. A primeira faz uma abordagem das raízes do Ilê axé Oyá Balé e de seus ancestrais, a segunda, num segundo momento, traz uma discussão em torno da importância do Terreiro para a preservação do patrimônio afro-brasileira e sua relação com o museu, e por ultimo, na terceira parte, apresentamos o projeto desenvolvido no Ilê, em sua primeira fase.

Podemos constatar, a partir dos resultados alcançados, que esta iniciativa aponta para a abertura de uma maior aproximação dos Terreiros de Candomblé, pensados enquanto “museus comunitários”, com o seu entorno, contribuindo assim para a valorização da cultura, e em especial, da religião afro-brasileira em Sergipe.

2. AS RAÍZES DO ILÊ AXÉ ALAKETU OYÁ BALÉ CABOCLO GONGOMBIRA


O sangue e a
Ancestralidade
Não há como negar
Não há como recuar
Não há como recusar
Nos eleva e identifica

Severo D’Acelino. 2002


É pelo respeito e importância dada aos seus ancestrais que os povos africanos e afro-brasileiros cultuaram e cultuam seus Orixás, Voduns e Inquices mantendo forte suas tradições ao longo do tempo. É também dessa forma que o Ilê Asé Alaketu Oyá Balé Caboclo Gongombira considera de grande importância fazer um “exercício de memória” relembrando e buscando sempre as suas raízes.

Fundado em 15 de janeiro de 1989, o Ilê Asé Alaketu Oyá Balé, encontra-se situado na zona sul de Aracaju, no Loteamento Marivam, Bairro Santa Maria, nº 210. O Terreiro que está sob os cuidados da Iyalorixá Maria Claudeildes Santos de Santana, filha de Oyá Balé tendo como urukó Megelecy, cultua seus Orixás e Voduns (1) nas nações de Ketu (2) e Jeje, cultuando também os caboclos e exus na nação Angola, preservando assim o patrimônio religioso e cultural dos seus antepassados.

Dessa forma é preciso salientar que as suas raízes estão diretamente ligadas a uma das casas de Ketu mais tradicionais do Estado de Sergipe, o Abagsá Ogun Marinho, situado no Bairro Santos Dumont, Rua Jaime Paulo, nº97, também em Aracaju, pertencente a Iyalorixá octogenária Josefa Maria dos Santos, sua Mãe de Santo e consanguínea.

Conhecida popularmente como Mãe Nair, a história da Iyalorixá Josefa Maria se entrelaça com a história de alguns nomes importantes que contribuíram para a formação da memória do candomblé sergipano.

Filha de santo e neta sanguínea da Iyalorixá Elisa Martins dos Santos, conhecida como Eliza D’Ayará, Mãe Nair foi iniciada com o Orixá Ogum tendo como urukó (3) “Lua-Omim”.

Já Elisa D’Ayrá, por sua vez, foi iniciada com o Orixá Xangô e de urukó Babá-Omim, fazendo parte da primeira geração de iniciados no “candomblé de feitorio” do Estado de Sergipe, na Nação de Ketu, introduzido pelo Babalorixá baiano Manuel do Amaral, conhecido popularmente como Manezinho Sandayó, nos anos de 1920.

Entre os primeiros iniciados, segundo Mãe Nair (4), estavam Ercília Lima, a primeira raspada (5) em Sergipe, com o Orixá Oxum, Elisa Martins (sua avó) com Xangô, Odete com Odé, Carmelita com Xangô Aganjú, Otávio com Oxosse, José Adolfo com Iemanjá, Eleonora com Oxalá Talabi, Jorge Paim com Oxum, Kaciano com Obaluayê, Malaquias com Xangô, Washington e o Ogã (6) Bomfim com Oxalá.

Foi seguindo os conhecimentos tradicionais ensinados por Manezinho Sandayó que a Iyalorixá Elisa D’Ayrá abriu o “Terreiro São Pedro”, situado no alto da Suissa Braba em Aracaju, e iniciou seus poucos filhos-de-santo, entre eles Nair de Ogun (sua neta), Carmelita de Obaluayê, Núbia da Oxum e Carminha da Oyá.

Anos mais tarde Elisa D’Ayrá viajou para a Ilha da Conceição, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, região em que plantou seu Axé e após seu falecimento deixou sob os cuidados de Benício de Xangô e de Bebé sua esposa, o qual veio a ser fechado após o falecimento dos mesmos.

Na atualidade, mesmo com o falecimento da Iyalorixá Elisa de D’Ayrá, o Orixá Xangô Babá-Omim permanece na família, ficando como “Deixa” (7) de Mãe Nair, sendo cultuado no Ilé Asé Oyá Balé Caboclo Gongombira, o qual mantém sua tradição. “Kawó-kabiyèsíle!”

3.PENSANDO NO UNIVERSO DO AXÉ: O MUSEU, O TERREIRO E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO AFRO-BRASILEIRO

Refletir sobre o patrimônio cultural afro-brasileiro no universo do axé, “força movimentadora da vida” (D’ACELINO, 2008) é uma tarefa instigante e ao mesmo tempo surpreendente quando correlacionamos dois, dos principais espaços, responsáveis pela sua preservação e valorização: o museu e o terreiro.

Ao lançarmos o nosso olhar pelas lentes da cultura afro-brasileira poderíamos afirmar que além do Terreiro, o Museu também possui esse axé, que pode ser percebido quando enxergamos o museu como um fenômeno, o qual: “Pode existir em qualquer espaço, em qualquer tempo. Inexiste, portanto, uma forma ‘ideal’ de Museu, que possa ser utilizada em diferentes realidades: o Museu toma a forma possível em cada sociedade, sob a influência dos seus valores e representações” (SCHEINER, 2001, p.06).

Fazendo uma correlação do museu com o terreiro, podemos dizer que é o axé grande responsável por dar “alma as coisas” e trazer para seus objetos o Ori, manifestando sua individualidade e identidade que caracteriza cada bem patrimonial. O museu também é o responsável pelo Okan, “órgão que centraliza o poder de vida e sede da inteligência, do pensamento e da ação” podendo este ser entendido como a memória. E para guardar o conjunto desse patrimônio, temos as Iyabás, dentre elas, Nanã, Iemanjá, Iansã e Oxum, as quis nos lembram as musas.

Diante dessa breve relação simbólica entre o museu e universo cultural afro-brasileiro faz-se necessário ressaltar a importância do Ilê para a preservação e valorização dos bens culturais e patrimoniais produzidos pelos afro-descendentes no Brasil.

Assim como o museu, os terreiros também selecionam, guardam e expõem “coisas” com a intenção de evocar lembranças e tencionar a reconstrução de uma determinada época, seja no culto aos seus ancestrais ou até mesmo nas relações hierárquicas que são estabelecidas entre seus membros, com a intenção de manter uma tradição.

Dessa forma o terreiro se assemelha ao museu, construindo “teias de significados” (GERRETZ, 1978) através do seu patrimônio material e humano, presentes no seu dia-a-dia, num processo constante de construção e reafirmação de sua identidade. E, em se tratando do patrimônio humano, talvez, seja esse o grande diferencial entre ambos ao se trabalhar a sua preservação. Pois como destaca Bruno Brulon “Ao se tombar um terreiro de candomblé, o que se deseja preservar em primeiro lugar é a comunidade que nele vive, se transforma e se manifesta culturalmente pela religião” (2008, p.135), o que nem sempre acontece com os museus, uma vez que muitos sacralizam suas em vitrines, afastando-os de seus grupos produtores.

Essa relevância poderá ser percebida também nos critérios que levamos em consideração ao pensar a musealização do Ilê Axé de Alaketu Oyá Balé Caboclo Gongombira, uma vez que a intenção se faz em justamente ressaltar a importância do Terreiro para a comunidade local em que está inserido, com a finalidade de criar mecanismos que tragam a interação, dos que transitam neste espaço, com o patrimônio que ali se encontra contribuindo para o processo de valorização da cultura afro-brasileira em Sergipe.

4.A MUSEALIZAÇÃO DO ILÊ AXÉ OYÁ BALÉ CABOCLO GONGOMBIRA

4.1 Entendendo o processo de Musealização

O processo de musealização não consiste, apenas, na simples tarefa de registrar, classificar e etiquetar “coisas” ou simplesmente no ato de incorporar um objeto ao acervo de um museu para sua exposição, como pensam alguns dos estudiosos, de outras áreas, que se enveredam pela área do conhecimento museológico.

O ato de musealizar implica num conjunto de ações que vai além, em muitas ocasiões, da sua relação com o próprio museu, uma vez que este ato pode transcender os muros de uma instituição museológica de caráter tradicional, ou seja, centrada na seguinte relação de valorização: “edifício/coleção/público”. É este museu de caráter tradicional que se contrapõe ao “novo museu” valorizando a relação “território/patrimônio/população”, sendo este um dos fatores responsáveis por imprimir o caráter social da Museologia.

É assim que tal impressão torna-se de grande relevância no processo de musealização, para que este dissemine a idéia de socialização do patrimônio musealizado, despertando então nos indivíduos da comunidade, o sentimento coletivo de valorização e o espírito de solidariedade social em prol da preservação dos seus bens culturais e patrimoniais.

A importância do engajamento social aliado ao processo de musealização, descrito e enfatizado anteriormente, se justifica pelo fato de considerarmos que o fazer museológico é o resultado das relações humanas, em períodos históricos, atreladas a outras práticas sociais globais (SANTOS 2008). Sendo, portanto, fundamental refletirmos antes de qualquer coisa sobre seu caráter social.

É, ainda, sob esta perspectiva que a Museóloga Maria Célia Teixeira Santos destaca o referido processo, a qual nos diz que: “A musealização é então processada na prática social – no interior do museu e fora dele -, em sua dinâmica real, no tempo e no espaço, abordando a cultura de forma integrada as dimensões do cotidiano, ampliando suas dimensões de valor, consciência e sentido” (2008, p.102).

Perpassando pela discussão em torno de aliança entre a prática social e o processo de musealização, nos deteremos agora na sua definição. Baseando-se na via conceitual aberta por alguns teóricos clássicos da Museologia, a exemplo de Strasnký, Anaildo Baraçal traduz a definição de musealização como sendo a “valorização da realidade (...), através de representantes autênticos que atestam a importância cultural e de memória dessa mesma realidade” (2008, p.110).

Apesar da elucidade definição sobre o que seria musealização, é preciso deixar claro que o autor coloca a “separação” e/ou extração desses “representantes autênticos” de sua realidade para ser incorporado ao universo do museu, como a primeira etapa do processo. O qual também não está errado. Apenas podemos colocar esta, a separação, como uma das opções dentro da metodologia empregada. Até porque relembremos o que disse, anteriormente, Maria Célia Teixeira, ao afirmar que o processo “pode ocorrer no interior do museu e fora dele”.

Ao colocarmos a “separação” como uma opção de metodologia, podemos exemplificar com o nosso caso de estudo, o qual será apresentado mais a frente, uma vez que trabalharemos com a musealização de um espaço, que continuará com a mesma funcionalidade, e não de um objeto em si. Agregando apenas o atributo do “novo museu”, de forma mais específica do ecomuseu, desenvolvendo seus processos no dia-a-dia com a comunidade do seu território.

Referenciando ainda o sentido de musealização, Cristina Bruno define como sendo o “conjunto de procedimentos de salvaguarda e comunicação dos acervos, coleções e referencias culturais que contextualiza e amplia os processos museológicos” (2001, p?), os quais a autora destaca dentro dos postulados fenomenológicos como sendo: “A perspectiva preservacionista / educacional dos processos museológicos a partir da compreensão sobre as suas funções (cientificas > educativas> sociais) e vocações referentes a administração da memória e tratamento da herança patrimonial”.

Saindo das definições e partindo para os meios práticos, segundo Pedro Manuel Figueiredo Cardoso Pereira, podemos caracterizar o processo de musealização dentro de operações materiais e conceituais responsáveis por um percurso que construirá a “identidade patrimonial” de cada objeto (2004). Dentre as operações temos quatro básicas, a saber:
1. Identidade Perceptiva e conceitual: “no contexto da qual o ‘objeto’ seria percebido como ‘realidade’;

2. Identidade factual, no contexto da qual a sua percepção primeira seria “fatualizada”, permitindo às comunidades reconhecê-lo como um “fato”;

3. Identidade documental, no contexto da qual ele recebia o “nome” pelo qual seria “nomeado”, permitindo ser classificado, catalogado e indexado;

4. E, finalmente, antes de ser considerado um “bem ou valor patrimonial”, pela construção da sua Identidade museal, onde estaria sujeito a um trabalho simultâneo de conservação e comunicação (ou, num âmbito mais amplo, de preservação e desenvolvimento).

Por fim, considerando a importância do processo de musealização, e entendendo também “A idéia do Museu como fenômeno – que se dá espontaneamente, a partir da relação específica que constitui a experiência museológica, criando sentidos sobre o real: [e que] é a partir dela que se define o que será musealizado e o que será Museu” (BRULON, 2008, p. 130), é que apresentaremos um esboço da primeira etapa, em desenvolvimento, do projeto idealizado para o Ilê Asé Oyá Balé Caboclo Gongombira.

4.2 Apresentando o projeto: Ilê de Portas Abertas


O projeto de Musealização do Ilê Axé Alaketu Oyá Balé Caboclo Gongombira, faz parte de um projeto maior, o “Ilê de Portas Abertas”, criado no primeiro semestre de 2011, através do qual serão executadas várias outras ações com a finalidade de divulgar, promover, preservar e valorizar o patrimônio cultural afro-brasileiro.

Ciente de sua responsabilidade social o Ilê Axé Alaketu visa disseminar, principalmente, a importância da valorização da tradição das religiões de matrizes africanas no Estado de Sergipe, em específico do chamado “Candomblé de feitorio”, desenvolvendo para isso projetos que fomentem a “distabuzação” (CORRÊA, 2009) estimulando outra visão, distanciada do preconceito e da discriminação, da qual vem sendo vítima há anos.

Considerando o museu como um agente de mudança social e desenvolvimento, o Ilê dá um passo importante em Sergipe, se configurando como o primeiro espaço religioso musealizado no Estado, o qual será aberto para um público diversificado, entre eles, a comunidade local, religiosos, estudantes, turistas e pesquisadores interessados na temática cultural e afro-religiosa.

No Ilê Axé Alaketu Oyá Balé temos o Barracão da Oyá, no qual acontecem as algumas festas, entre as principais, a exemplo da Festa de Odé Mungú (Oxosse) em abril; o Acarajé da Oyá em maio, a Festa de Santo Antônio em junho; o Pirão de Nanã em julho; a Festa dos Eguns e o Caruru de Anemita em novembro e a Festa das Yabás em dezembro. Outro Barracão que se encontra dentro do Ilê é o de Xangô. Nele comemora-se em junho a Fogueira e o Batá de Xangô, uma tradição das suas raízes. Temos também o Barracão dos Caboclos, no qual acontece o “Samba Angolá” dos Caboclos e suas sessões. Logo ao seu lado temos também o espaço dedicado a Iroko, um Orixá representado por uma árvore, a Gameleira Branca, plantada no Ilê em 2009. Na frente do Ilê temos, ainda, o Barracão de Exú, no qual acontece a Festa de Tranca-Rua das Almas e o Cabaré de Piaçaba em maio. Além dos barracões citados, a casa possui o Roncó (8), a Camarinha, a cozinha de santo (9), o espaço para recolher os animais e algumas áreas verdes espalhadas pelo Ilê, nos quais são plantadas algumas ervas que são utilizadas para alguns rituais.

O Ilê Axé, enquanto museu, orientará sua missão para a preservação e proteção dos conhecimentos tradicionais populares, da cultura, da religiosidade e identidade afro-brasileira.

Desenvolvido por uma equipe interdisciplinar composta por Museológos e outros profissionais o projeto já deu inicio a sua primeira etapa, a qual consiste no diagnóstico museológico do espaço. O objetivo, nesse momento, visa fazer um levantamento dos bens culturais, situados no espaço, a fim de demarcar suas potencialidades.

Com a conclusão da primeira etapa realizaremos uma ação educativa, com dois grupos escolares de crianças e jovens, no espaço para termos uma resposta das primeiras ações desenvolvidas no processo de musealização do Ilê. Essa medida também servirá para ajudar a orientar as estratégias que serão efetuadas na segunda etapa com a finalização da montagem do museu.

A fase inicial do processo de musealização do Ilê, apresentado nesse momento, se configura como o primeiro passo do projeto, o qual vem a público, no II Seminário de Estudos Culturais, Identidades e Relações Interétnicas, com o objetivo de ampliar as discussões sobre os espaços religiosos de matrizes africanas e suas formas de expressar a sua identidade étnica. Diante do que foi exposto acreditamos que a realização desta iniciativa aponta, ainda, para a abertura de uma maior aproximação dos Terreiros de Candomblé, pensados enquanto “museus comunitários”, com o seu entorno, contribuindo não só para a preservação e valorização do patrimônio afro-brasileiro de Sergipe, como também estimulará a igualdade de direitos e respeito a diversidade cultural e religiosa.

NOTAS

1. Divindades cultuadas na nação Jeje
2. No Ketu os atabaques são tocados com aguidavis ou arcos de Davi (espécie de varinha) e as cantigas são quase todas na língua ioruba, esses são alguns dos elementos que definem essa nação. DIAS,
3. Nome religioso, do fiel iniciado, dado pelo Orixá
4. Entrevista cedida por Mãe Nair ao autor no dia 26/11/2011
5. Termo popular designado para identificar o sujeito iniciado no candomblé
6. Cargo reservado aos homens dentro do Ilê
7. Orixá que passa a descer pela pessoa (Herança).
8. Espaço destinado para recolher os filhos da casa que estão se iniciando na religião, ou com qualquer outra obrigação.
9. Local em que se preparam as comidas dos rituais e as refeições dos filhos.


REFERÊNCIAS

BARAÇAL, Anaildo Bernardo. O objeto da museologia: a via conceitual aberta por Zbynek Zbyslav Stránský. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio) – Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

BRUNO, Cristina. Mestrado em Geografia – Universidade Federal de Sergipe. Apostila da Disciplina: Musealização da Arqueologia: conceitos e métodos. Local: Museu Arqueológico de Xingó. Período: 21 a 26 de outubro de 2001.

BRULOM, Bruno. Quando o Museu abre portas e janelas: o reencontro com o museu contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Museologia Patrimônio) – Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

CORRÊA, Alexandre Fernandes. O Museu Mefistofélico e a distabuzação da magia: análise do tombamento do primeiro patrimônio etnográfico do Brasil. São Luis/MA: EDUFMA,
2009, 192p.

DIAS, Renato Henrique Guimarães. Sincretismos Religiosos Brasileiros: Pequeno estudo sobre alguns sincretismos religiosos surgidos no Brasil entre 1500 e 1908, janeiro de 2009.

D’ACELINO, Severo. Panáfrica África Iya N’La. Aracaju: MemoriAfro, 2002, 169p.

__________. Mariow: O Terreiro de B’a Emiliana. Aracaju: Memoriafro, 2008, 102p.

SANTOS, Maria Célia Teixeira Moura Santos. Encontros Museológicos – reflexões sobre a museologia, a educação e o museu. Rio de Janeiro, Minc/IPHAN/DEMU, 2008.

SCHEINER, Tereza Cristina. Desvelando o Museu Interior. In: Disciplina – Museologia 01: bases teóricas da Museologia. UNIRIO/CCH, Escola de Museologia. Apostila preparada de março a agosto de 2001.

PEREIRA, Pedro Manuel Figueiredo Cardoso. No final desse processo de intervenção em que estado, material e conceitual, ficará o patrimônio? Cadernos de Sociomuseologia, nº34. 2004