domingo, 20 de março de 2011

A EDUCAÇÃO AFRO-PATRIMONIAL E A EXPOSIÇÃO COMO MÉTODO PARA O SEU DESENVOLVIMENTO


Autoria: João Paulo Cardoso da Silva, Graduando em Museologia pela UFS

Cláudio de Jesus Santos, Formando em Museologia pela UFS



As questões pertinentes a preservação do patrimônio cultural sempre foi uma preocupação constante e marcante dentro do campo da ciência museológica, podendo ser melhor compreendida na caracterização do fato museológico, o qual Waldisa Russio define como sendo “a relação profunda entre o Homem, sujeito que conhece, e o Objeto, parte da Realidade à qual o Homem pertence e sobre a qual tem o poder de agir” (1990, p.7). É importante salientarmos que a noção de “Objeto” explicitada por Russio refere-se a todos os bens culturais produzidos e transformados pelo homem, não se prendendo a uma visão reducionista do conceito.

Diante dessa relação, torna-se importante ressaltar que a expressão Educação Patrimonial vem se tornando cada vez mais usual na Museologia, sendo utilizada muitas vezes como a sua “porta de entrada” para o desenvolvimento dos seus trabalhos, uma vez que o seu objetivo é preservar. Nesse sentido, vale lembrar que, não foi por acaso que o 1º Seminário organizado para discutir o desenvolvimento das ações educacionais voltadas para o uso e apropriação dos bens culturais e a sua proposta metodológica se deu no âmbito do Museu Imperial de Petrópolis em 1983, no Rio de Janeiro (HORTA, 1999).

A partir do Seminário realizado vários trabalhos vêm sendo elaborados, no sentido de dar continuidade as discussões para o aprimoramento dos recursos metodológicos utilizados para a preservação, identificação e valorização do Patrimônio Cultural através da Educação Patrimonial, conceito o qual Maria de Lourdes Parreiras Horta define como,

(...) um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo leva ao reforço da auto-estima dos indivíduos e comunidades e a valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural (1999, p.6).

Por meio dessa definição e entendendo que a metodologia da Educação Patrimonial pode ser aplicada a qualquer evidencia material, a fim de alfabetizar culturalmente o individuo, aumenta-se a dificuldade dessa alfabetização tornando-se mais complexa quando tratamos da cultura material pertencentes a grupos étnico-racialmente excluídos historicamente, grupos que sofreram e ainda sofrem perseguições, algo que pode ser percebido principalmente no trato com as suas heranças, as quais segundo Raul Lody sempre foram:

(...) comodamente vistas como secundárias e inferiores, (...) ficaram caracterizadas, em especial as de função ritual religiosa, genericamente como fetiches ou objetos de feitiçaria. Essas categorias, abastecidas de elementos da dominação moral cristã, delimitam a cultura material de sofisticados grupos sociais como dos candomblés, xangôs, casas mina-jejê e mina-nagô (2005, p.21).

Partindo da necessidade da distabuzação (CORRÊA, 150), do esclarecimento e da mudança desse pensamento construído sob os arquétipos históricos do negro enquanto escravo, é que torna-se necessário explorar o patrimônio afro-brasileiro de forma mais intensa através da metodologia da educação patrimonial, a qual nos referimos como “educação afro-patrimonial” tendo como finalidade distanciar a história do negro “do ponto de vista oficial”, na qual Rita Amaral diz estar representada como “(...) uma história de escravos, que muitas vezes escamoteia significados e interpreta mais do que explica” (2001, p. 2)

Através do uso dos bens culturais, produzidos pelos africanos e afrodescendentes, abordados dentro da metodologia da educação patrimonial poderemos contribuir para a elaboração de um juízo crítico acerca do patrimônio afro-brasileiro e da sua identidade, incorporando-o dentro do processo de formação do individuo através de uma relação estabelecida.

A metodologia da educação afro-patrimonial (evidenciada pela observação, registro, exploração e apropriação) pode levar os professores a utilizarem os objetos nas salas de aula ou nos próprios lugares nos quais são encontrados, uma vez que nada substitui o objeto real como fonte de informação dentro do próprio contexto histórico. Partindo dos princípios metodológicos da educação patrimonial é que podemos utilizar a exposição como um recurso para desenvolver a ação educativa.

REFERÊNCIAS

AMARAL, RITA A coleção etnográfica de cultura religiosa afro-brasileira do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, São Paulo, v. 10, 2001.

CORRÊA, Alexandre Fernandes. O Museu Mefistofélico e a distabuzação da magia: análise do tombamento do primeiro patrimônio etnográfico do Brasil. São Luis/MA: EDUFMA, 2009, 192p.

CUNHA, Marcelo Nascimento Bernardo da. Museus, Exposições e Identidades: os desafios do tratamento museológico do patrimônio afro-brasileiro. In:___BRUNO, C.

O; FONSECA, A. M. da; NEVES, K.R.F. (Org.)Museus como Agentes de Mudança Social e Desenvolvimento. São Cristóvão: Museu de Arqueologia de Xingó, 2008.

DANTAS, Beatriz G. Vovó nagô e papai branco: usos e abusos da África no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; Grunberg, Evelina e MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.

LODY, Raul. O negro no museu brasileiro: construindo identidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

GUARNIERI, Waldisa Russio Camargo. Conceito de cultura e sua inter-relação com o patrimônio cultural e a preservação. Cadernos Museológicos, v. 3, p. 7-12. 1990.

2 comentários:

  1. Caros João Paulo e Claudio,
    Agradeço muitíssimo a referência ao meu trabalho sobre o Museu de Magia do Rio de Janeiro.
    Parabéns! Saudações!

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  2. Caro Alexandre, não tem porque agradecer, seu trabalho é muito bom, tenho uma cópia dele em meu pequeno acervo bibliográfico.Para mim é uma referência!!!Abraço

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